O Regimento das Terras Minerais

O CONTROLE DA RIQUEZA

Os metais preciosos e o pau-brasil encontrados na Colônia eram considerados patrimônio régio e a reserva do quinto real constituía uma das medidas do regime da Coroa sobre sua exploração. Portugal não permitia a comercialização da madeira sem a sua autorização, assim como dos metais extraídos das minas. Todavia, a exploração desses recursos nem sempre obedecia à lógica governamental levando os exploradores, muitas vezes, a não prestarem contas das riquezas encontradas. Foi com a intenção de conter a burla ao fisco que a legislação exigiu a observância das normas penalizando a sua transgressão. 

Controlar a exploração desordenada da madeira do pau-brasil, dos metais preciosos e evitar o contrabando era a parte que cabia à Coroa portuguesa porque a saída da madeira e do ouro, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. O reinado dos Filipes da Espanha - dois Estados, duas Coroas e um só rei - sugere um controle diferente em relação ao que aconteceu no período anterior a 1580, regulando sistematicamente os recursos naturais a serem explorados. A legislação Filipina da Colônia  procurou disciplinar as relações concretas, políticas e, sobretudo, econômicas. Todavia, mesmo que as normas legais cristalizassem os objetivos da empresa colonizadora, lhes eram necessárias a eficácia, já que a legislação dimensiona o domínio, mas não a obediência daqueles que exerciam a tarefa de explorar.

Para a Coroa portuguesa a observância das normas estabelecidas para organizar o governo na Colônia era a garantia da manutenção do reino. Preservar as riquezas coloniais – e, em especial, o pau-brasil – exigiu o estabelecimento de regras que deveriam ser obedecidas. Como proprietário do solo e subsolo das terras conquistadas, Portugal não permitia a comercialização da madeira por nenhuma autoridade ou pessoa comum sem a sua autorização. Este procedimento ficou claro, na época da divisão da Colônia em Capitanias (donatarias) Hereditárias, quando no Foral e na Carta de Doação (1534) entregues aos donatários, constava punição aos que infringissem a lei com a perda dos seus ganhos para a metrópole e com o degredo para a ilha de São Tomé.


Quando da centralização administrativa do poder na Colônia, o Regimento de Tomé de Souza, então governador-geral do Brasil (1548), faz referência ao pau-brasil, reafirmando os direitos da Coroa e exigindo a limitação do preço do resgate da madeira. Entretanto, não previa, expressamente, sanções pela desobediência às normas, o que significa que permaneciam em vigor as penalidades estipuladas nos documentos de 1534. Nos governos gerais posteriores a Tomé de Souza, a exploração do pau-brasil não foi objeto de nova legislação e, pela falta de documentação específica, a desobediência às normas pareceu sofrer os mesmos tipos de penalidades anteriormente citadas. Não só a exclusividade na exploração, mas também a conservação visando maiores lucros são a tônica da política desenvolvida pela metrópole naquele regimento.

Na colônia, neste início do século XVII, a preocupação com a observância da lei para se controlar os negócios ilícitos era patente; sabe-se que o governador-geral Diogo Botelho, em 1603, ao inspecionar os navios no porto da vila de Olinda, tentava coibir o contrabando do pau-brasil. A devastação das florestas de pau-brasil e sua exploração sem limites, prejudicavam os interesses econômicos da Metrópole, levando Filipe II a legislar especialmente para a exploração dessa madeira. Esta atitude confirma uma estratégia da Coroa no controle aos negócios espúrios – a exploração não oficial – do pau-brasil e também uma postura legislativa inovadora, por legislar especificamente para determinado produto, atitude não observada nos monarcas anteriores ao administrarem juridicamente a exploração na Colônia. 

Ao desobedecer às normas estipuladas, o infrator recebia sanções que variavam da pena pecuniária, passavam pelo açoite e o degredo e chegavam até a pena de morte. Como todas as penas estipuladas nas Ordenações Filipinas, a comutação da pena era aplicada em função do status social do indivíduo, pelo menos isto é o que se depreende da legislação no Regimento do Pau Brasil, ao indicar que aquele que tirasse quantidade de madeira excedendo de dez quintais, incorreria em pena de cem cruzados, e se passasse de cinqüenta quintais, sendo peão, seria açoitado, e degredado por dez anos para Angola, e passando de cem quintais morreria por ele, perdendo toda a sua fazenda.

A comprovação da tentativa de se fazer cumprir a lei foi registrada pelo envio do licenciado Sebastião de Carvalho, em 1607, para proceder à devassa. De acordo com José Bernardino de Souza, esta devassa foi motivada pelo contrabando de pau-brasil em Pernambuco; nela se chegou a incriminar o donatário Duarte de Albuquerque. Entretanto, parece não ter sido tão fácil tal empreendimento, porque o governador-geral, Diogo de Menezes, em carta de 4 de dezembro de 1608 ao Rei, deu ciência de que o povo do Recife não estaria propenso a consentir na execução da medidas que consideravam desnecessárias e arbitrárias.
Contudo, de acordo com uma Provisão de 1609 que tratava do procedimento para o livramento dos culpados, comprovavam-se os motivos da devassa, bem como a indicação do licenciado para tal procedimento:
“...Eu, el-Rei, faço saber aos que este alvará virem, que sendo informado da muita devassidão com que nas partes do Brasil, contra a proibição que sobre isso mandei fazer, em grande dano do meu serviço e Fazenda, e querendo a isso atalhar, enviei a elas o licenciado Sebastião de Carvalho para que tirasse devassa e prendesse os culpados, e presos os enviasse a este reino para nele se livrarem, conforme a provisão que lhe mandei passar, e por outra lhe mandei que enquanto não ordenasse outra coisa, enviasse somente até dez dos ditos culpados, e querendo agora dar ordem e forma sobre o modo de seu livramento, hei por bem, e me traz por alguns justos respeitos...”
“...os oficiais de justiça e a minha Fazenda, que tinham obrigação de guardar a lei, e assim os feitores dos contratadores que estivessem culpados na dita devassa, sejam embarcados presos para estes reinos, com a cópia de suas culpas, para cá se livrarem delas, na forma da dita minha primeira provisão...”
Estes oficiais e funcionários seriam enviados para o reino a fim de procederem as suas defesas não pelos negócios ilícitos (contrabando), mas por “prevaricação” no desempenho de suas funções. Com relação aos outros envolvidos, deveriam ser julgados no Brasil por um juiz da Coroa:
“...e que todas as mais pessoas que na mesma devassa estiverem culpadas, que ainda não forem enviadas para este reino, se livrem nas ditas partes do Brasil perante o juiz de minha Coroa e Fazenda, na Relação, com os desembargadores que lhe der o governador, que será presente ao despacho deles, para o que se remeterão ao dito juiz todas as devassas, autos e papéis que houver tocantes a esta matéria, nos termos e estado em que estiverem, exceto as causas que estiverem já sentenciadas quando lá chegar...”
A preocupação da Coroa no atendimento das normas legais é explicitada também por meio das correspondências trocadas com os governadores. Chamava-se atenção para o reforço na defesa, diante das notícias de que navios holandeses “visitariam” a costa brasileira e, a partir disto, ordenava-se a expulsão de todos os estrangeiros residentes na colônia, na tentativa de se evitar a facilitação do contrabando de pau-brasil. 
Entretanto, nem sempre a lei era seguida à risca. Na carta de 8 de outubro de 1617, ao governador Luís de Sousa, o rei pede que se reconsidere a expulsão de todos os estrangeiros residentes no Brasil, ordenada em carta anterior; em vez dela, pede informações minuciosas acerca destes. Pede ainda que os considerados suspeitos de acobertarem o contrabando holandês do pau-brasil fossem enviados ao reino, com a formalização de suas culpas.

Durante o domínio holandês (1630-1654), a chamada costa do pau-brasil foi ocupada e declarada reserva e monopólio do invasor. Contudo o interesse da Coroa portuguesa pela exploração não sofreu intimidação, pois o contrato que firmou com Luis Vaz de Resende no ano de 1632 para explorar as regiões de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, durante dez anos, a despeito da ocupação holandesa não deixa dúvidas a esse respeito. Outro ponto importante nesta época, e que vem ao encontro das estratégias da Coroa no combate ao ilícito, e delineava o interesse Real pelos lucros que a exploração da madeira poderia trazer, foi a criação da Conservatória do Contrato de Pau-brasil, pelo Alvará de 1635. Um foro especial julgava não só o descumprimento, por parte dos contratadores, das regras em relação à quantidade a ser cortada, mas também avocava a si todas as outras causas em que os contratadores estivessem envolvidos.

A outra fonte de riqueza foram os metais. Considerados patrimônio régio, a reserva do quinto real constituía uma das medidas do regime monopolista da Coroa sobre sua exploração. Entretanto, o ouro e a prata não foram encontrados no início da colonização; o estímulo à procura desses metais veio pelas descobertas da prata efetivadas pela Coroa espanhola na América. Combinava-se, no início do século XVI, com as incursões ao interior, se conhecer melhor a terra, procurar metais e capturar nativos. Em algumas atas dos vereadores municipais de Piratininga constam notícias da partida de expedições que, supostamente organizadas para procurar metais e pedras preciosas, muitas vezes, camuflavam suas verdadeiras intenções de capturar indígenas. Portanto, como não haviam sido encontradas minas, Portugal não legislou especificamente sobre o assunto apesar da preocupação com os metais preciosos estar sempre presente.

No Foral entregue a Duarte Coelho encontramos a preocupação portuguesa em colocar a caminho a sua política mercantilista, ao preconizar:
“...havendo nas terras da dita capitania, costa, mares, rios e baías dela qualquer sorte de pedrarias, pérolas, ouro, prata, coral, cobre, estanho, chumbo ou qualquer sorte de metal, pagar-se-á a mim o quinto...”
Na Carta de Doação não consta especificação quanto aos metais, mas no Foral, quando se menciona o pagamento do imposto que era devido à Coroa, ressalta-se que no caso de haver descaminho de qualquer riqueza da colônia que pertencesse ao rei, o indivíduo seria punido com degredo para a ilha de São Tomé, além de receber multa pecuniária.

O domínio espanhol assinalou um enrijecimento do controle da Metrópole sobre a Colônia. A preocupação em encontrar ouro e prata foi uma constante durante o governo dos Filipes. Neste período, o primeiro documento a tratar da questão foi o Regimento de Francisco Giraldes (1588), que, ao não mencionar a existência de penalidades para a desobediência da lei, seguia os procedimentos penais cominados pelos documentos anteriores. O Alvará de 13 de dezembro de 1590 concedido a Gabriela Soares de Sousa, e que dava permissão para que proseguisse com a sua expedição além do rio São Francisco, reforça a intenção Real na procura dos metais. 

O interesse da Coroa em encontrar ouro e prata nas terras portuguesas da América foi notório. Francisco de Sousa, então governador-geral nomeado (1591-1602), ao sair de Lisboa deixou acertadas nomeações, pelo Alvará de 26 de março de 1591, de pessoas entendidas em mineração, como um certo Cristóvão, lapidador de esmeraldas. Além disso, a transferência do provedor das minas de Monomotapa, o castelhano Agostinho de Souto Maior para as minas do Brasil.

O governador-geral seguinte, Diogo Botelho (1602-1606), foi encarregado de colocar em prática o Primeiro Regimento das Terras Minerais do Brasil (1603), o controle dos negócios ilícitos relacionados à mineração. Esse regimento mostra o intuito da Coroa em dotar a Colônia de uma regulamentação legal capaz de organizar, in loco, não só a procura, mas também a extração dos metais preciosos.
Nota-se, neste regimento de 1603, a influência em relação à exploração das minas na América espanhola. Demonstra que o rei das duas Coroas recomendava que a procura da prata ou do ouro nas minas deveria ser executada da mesma maneira que a seguida pelos exploradores das Colônias espanholas na América. 
“ ...o melhor lavrar das minas de ouro e prata ... é não se lavrarem, nem cavarem a pique, senão de través, por ser assim a obra mais forte e segura, para os que nela trabalharem poderem chegar ao metal, como a experiência tem mostrado em muitas partes do Peru e Nova Espanha ...”
Outra referência importante a ser lembrada em relação à exploração dos metais é quanto ao empenho em assegurar sempre para a Coroa a propriedade das minas, como dona do subsolo das terras. Aos descobridores era dada a concessão para explorar. 
A exploração procedia se assim entendessem as autoridades competentes, tanto que consta dos pareceres do Conselho de Portugal, do despacho Real e do governador Francisco de Sousa (1591-1602) resposta afirmativa ao pedido do provedor das minas de São Vicente, Diogo de Quadros, que apôs à margem esquerda, como de costume, sua decisão: ”...A verificação das minas é certa, são muito boas, eu o sei e as vi...” 

Uma das figuras de maior importância no processo do cumprimento das normas para a exploração dos metais foi o provedor das minas, que deveria assegurar para a Metrópole a propriedade e os possíveis lucros provenientes da exploração. Entre outros desempenhos que deveriam neutralizar os negócios ilícitos estava o parecer provedor das minas favorável para que o governador construísse a Casa de Fundição, além de manter vigias que impedissem a presença, no local, de pessoas estranhas ou suspeitas que pudessem cometer atos que viessem, a exemplo do contrabando, a prejudicar a Coroa. 

Estes oficiais e funcionários seriam enviados para o reino a fim de procederem as suas defesas não pelos negócios ilícitos (contrabando), mas por “prevaricação” no desempenho de suas funções. Com relação aos outros envolvidos, deveriam ser julgados no Brasil por um juiz da Coroa.

Encontrar a todo custo o metal foi o objetivo do governo Habsburgo na Colônia. Basta observar, no texto da lei, a obrigação de se explorar ouro “até dar na pedra” quando fosse procurado em regato, riacho ou rio caudaloso, como mencionava o item quarenta e sete do documento. Portanto, assegurar para a Metrópole o lucro da exploração das minas sem despesas para a Coroa, a supervisão de todo o processo e evitar o contrabando foram as metas a serem alcançadas na medida em que o descobridor da mina podia se beneficiar e aproveitar da extração à sua custa e despesa, desde que pagando o quinto.

Entretanto, a obtenção do privilégio para a exploração nem sempre levou os mineradores a prestar contas do que era encontrado. Foi com a intenção de conter a burla do fisco que a legislação penalizou a transgressão das normas estipuladas para a exploração. Apesar de não haver justificativa para que o explorador burlasse a lei, isso era feito frequentemente frente a “rigidez” monopolísta da Coroa que pressionava para que as vontades particulares não se sobrepusessem aos interesses de el-Rei. 

A intenção do legislador quanto à preservação do quinhão real foi demonstrar que qualquer transgressão às normas impostas pela Coroa era grave e a sua não observância impossibilitava o bom andamento da exploração e, conseqüentemente, o lucro. A partir deste regimento constata-se, do ponto de vista legal, a rigidez com que passou a ser tratada a exploração dos metais. 

Os tipos de sanções aplicadas dão mostras desta rigidez, e as faltas e transgressões foram classificadas em graves e muito graves. Ficou proibido vender, embarcar, trocar e doar o metal fora da Casa de Fundição. Estas transgressões eram consideradas delito gravíssimo, crime de lesa-majestade, e cominadas com a pena de morte. Também previa-se a perda dos proventos dos transgressores, e o que havia lucrado era dividido em duas partes: uma destinada à Câmara Real e outra a quem denunciasse, como asseverou o item 55, do regimento de 1603: 
“...E nenhuma pessoa de qualquer sorte e condição (…) poderá, fora da Casa de Fundição, vender, trocar, doar ou embarcar, para qualquer outra parte, metal algum de ouro e de prata, que das ditas minas se tirar, sem ser marcado com as ditas minhas armas (…) sob pena de morte e de perda de sua fazenda; as duas partes para minha Câmara Real, e a terceira parte para o acusador...”
Esta espécie de “recompensa”, que provavelmente incentivou os delatores, foi uma tentativa de controlar a atividade mineradora e evitar o descaminho do ouro, ao mesmo tempo em que se resguardava o que, por direito, pertencia ao rei. Este procedimento – a cobrança do quinto – estava em consonância com as práticas mercantilistas adotadas por outros Estados no mesmo período.

Os delitos que não lesavam diretamente os cofres do reino, apenas impediam o desenvolvimento da exploração, eram considerados assim mesmo como infrações graves e, quando detectados, sua penalização possibilitava a concessão de mineração a outros exploradores. Na maioria das vezes, as sanções estabelecidas para este tipo de delito se resumiam em pecuniárias, perda de privilégios ou perda das minas. Como exemplo, as ações de fraudar a descoberta de metal em mina registrada, induzindo a autoridade em erro mediante artifício, recebia como sanção o pagamento das perdas e danos às pessoas que também tinham parte na mina e a perda do privilégio de descobridor, segundo o item número 3 deste 1º Regimento das Terras Minerais do Brasil:
“ ...E depois de o descobridor tirar metal da dita mina, será obrigado a aparecer com ele, e o manifestar ao provedor (…) dentro de trinta dias; por juramento (…) declarará em como o dito metal de ouro ou prata é da própria mina que tem registrada, e achando-se não ser dela, será castigado como for de justiça, e pagará todas as perdas e danos que se seguirem às pessoas que pedirem parte na dita mina, e sendo passados os ditos vinte dias, sem fazer a manifestação do metal que tiver tirado, não gozará do privilégio de descobridor ...”
Outros exemplos são indicados pelos ítens 7, 10, 14, 26, 30 e 48 onde são mencionadas questões relativas à mudança das marcas e balizas das minas sem autorização do provedor; a venda de mina dada em repartição antes de encontrar metal fixo; não observar a segurança dos trabalhadores da mina; não obedecer ao prazo de cinquenta dias para lavrar a mina; o explorador que tomasse mina em nome de outrem como seu procurador ficavam sujeitos à pena pecuniária, etc. 
Efetivamente, objetivava-se com estas normas coibir ao máximo possíveis deslizes que prejudicassem a continuidade do trabalho na mineração. A exploração não podia ser paralisada e mesmo as dívidas contraídas pelo dono da mina deveriam ser pagas com o ganho do seu trabalho. Por isto era proibido prender os donos de minas por motivo de dívidas enquanto estivessem trabalhando nelas. Também era proibido penhorar os escravos, ferramentas, mantimentos utilizados na mineração, como normatizava o item 50 do mesmo regimento, numa demonstração efetiva da preocupação com o lucro. 
“ ...E pelo grande prejuízo que se seguirá em se impedir o lavor das minas: hei por bem que os donos delas não possam ser presos por dívidas, enquanto nelas trabalharem; nem penhorados nos escravos, ferramentas e mais petrechos que para lavrar e benefício delas for necessário; e as Justiças a que pertencerem farão que paguem eles suas dívidas com o procedimento e ganho que tiverem nas ditas minas ...”
A legislação vetava aos funcionários reais, com funções ligadas à atividade mineradora, possuírem minas ou participação nelas, em companhias envolvidas com a mineração ou ainda possuírem o metal. Pelo item 52, este negócio era considerado ilícito e acarretava ao envolvido a perda dos seus proventos e a privação dos seus ofícios, além de serem embarcados para o reino sem possibilidade de retorno à Colônia:
“...O provedor, tesoureiro e escrivão e quaisquer outros oficiais que forem das ditas minas não poderão ter parte, nem companhia nelas, nem tratarão em metal algum per si, nem por outrem, sob pena de perda de sua fazenda e privação de seu ofício; na mesma perda de perder sua fazenda incorrerão os que derem [tiverem] parte e tiverem companhia, uns e outros serão embarcados para o reino, e não poderão tornar mais a estas partes...”
Parece provável que estes homens, longe dos olhos da Coroa, tenham se sentido tentados a enriquecer. A garantia da obediência estava a cargo da autoridade máxima da Colônia, o governador. Competia a ele proceder como “for de justiça”, e enviar ao reino o traslado das culpas das autoridades locais, quando estas tivessem transgredido as determinações impostas.

Os problemas legais relacionados às minas, antes da vigência do regimento de 1603, eram resolvidos em Portugal. Não encontramos referências, nos documentos anteriores, alusão quanto à alçada que deveria solucionar eventuais litígios. Somente com o regimento de 1603, a lei delegou poderes às autoridades locais para tratar sobre questões que envolvessem a mineração. A alçada do provedor das minas para resolver contendas entre partes na mineração foi limitada a litígios de até 60$000 (sessenta mil réis) e se resolvia sumariamente. Acima deste valor, o agravo e a apelação eram da competência do provedor da Fazenda, de acordo com o estabelecido no item 58. 

Ao analisar o texto legal, o legislador parece não dar chances aos litigantes quando o problema se transformava em impedimento ao trabalho de exploração. Mesmo havendo uma hierarquia estabelecida com base no valor das causas, o provedor deveria resolver o litígio sem permitir apelação da sua sentença. Neste sentido, a lei se submetia às circunstâncias e estas demonstravam a necessidade econômica da procura dos metais, resguardando o lucro da Coroa. 

As prospecções na mineração, ocorridas entre 1606 e 1612, no período que corresponde, portanto, ao governo de Diogo de Menezes e de Gaspar de Sousa, seguiram as normas estabelecidas no regimento das minas de 1603. O Regimento de Gaspar de Sousa não faz referência às sanções quanto ao descaminho de metais, apenas referendou no item 33 o atendimento às normas legais daquele Primeiro Regimento. Há, assim, uma continuidade nos procedimentos adotados pelos Habsburgos no controle dos negócios ilícitos relativos à mineração. 

No Segundo Regimento das Terras Minerais do Brasil, o item que trata do contrabando do ouro e de outros metais não expressou a cominação da pena capital para os que caíssem em “desgraça” durante as devassas, procedimento que averiguava fatos considerados criminosos. O item 15, que determina que “...o provedor tirará devassa cada seis meses ... das pessoas que descaminharam ouro, prata e outros metais, sem pagarem os quintos à minha Fazenda, e dos que não marcaram na dita Feitoria...”, remete-se às Ordenações Filipinas, ao anunciar que “...procederá contra eles (aqueles que descaminharem ouro) na forma das minhas Ordenações e Regimentos...”

Ao elaborar os regimentos para administrar suas colônias, o poder central parece assumir suas limitações, a ponto de quase admitir não poder abraçar especificamente todas as questões que envolveriam a administração. Por isto, diferentemente do Regimento de 1603, à falta de sanção expressa no regimento, para o descaminho dos metais considerados nobres, procedia-se de acordo com a lei maior, no caso, as Ordenações Filipinas. 

Regra geral, no Regimento de 1618 foram aplicadas sanções pecuniárias a delitos que obstruíssem a continuidade do trabalho na mineração. As referências estão nos itens 3 (desobedecer instruções do provedor) e 6 (explorar sem licença real estanho, cobre e chumbo). Pela não observância ao bom tratamento dos povos indígenas que trabalhassem nas minas, e isto incluía o que deveriam receber, os transgressores eram multados em 50 (cinquenta) cruzados, revertidos para o fundo dos cativos, além de serem obrigados a pagar os salários atrasados, como registrava o item 11. 
Alguns procedimentos legais já encontrados no regimento de 1603 foram mantidos no Segundo Regimento das Terras Minerais do Brasil e “auxiliaram” na observância da lei, por meio da denúncia. Os artigos 6 e 14, respectivamente, comprovam a utilização desse tipo de medida ao “premiar” com um terço do valor do negócio ao denunciante da negociata sem licença real ou àquele que denunciasse quem não havia marcado oficialmente o metal encontrado. Estas normas restritivas, mais uma vez, demonstravam que o governo dos Filipes necessitava, cada vez mais, de quantidades maiores de metais preciosos para fazer frente às outras nações, uma vez que seu império dava mostras de declínio. 

O Regimento de 1618 dando continuidade à política adotada no regimento de 1603, previu instâncias diferenciadas para a solução dos litígios ocorridos na mineração. A diferença em relação ao Primeiro Regimento da mineração ficou com a instalação, em 1610, do Tribunal da Relação da Bahia, que foi visto como necessário à “defesa da vida, fazenda, honra e liberdade de todos os vassalos”. Este tribunal tinha o intuito de resolver os abusos do poder e o desrespeito às leis, entre outras contendas que aguardavam pela ação da justiça.

Apesar das esperanças depositadas numa administração da justiça mais imparcial, o Tribunal da Relação da Bahia teve vida curta e parece não ter conseguido atender a Colônia como um todo, daí o término da sua primeira fase em 1619. Entretanto, ainda estava em vigor quando da elaboração do Regimento de 1618, tanto que os litígios envolvendo um maior valor deveriam ser encaminhados àquela instância. Da alçada do Tribunal da Relação da Bahia faziam parte as questões envolvendo bens móveis e bens de raiz acima de cem e de cinquenta cruzados, respectivamente. A solução das questões até estes valores seria da competência do provedor das minas, em conformidade com os itens 9 e 11, do referido regimento. 

Na obrigação da observância da lei percebemos o controle da Coroa sobre suas riquezas. Desde os primeiros documentos político-administrativos coloniais, a Coroa punia com severidade àqueles que burlassem as suas leis, instituindo a pena de degredo. Consta, segundo Joaquim Veríssimo Serrão, que o Alvará Real de 15 de março de 1610, ao chanceler e ao desembargador, para que os condenados a degredo pela Relação fossem enviados à capitania do Rio Grande do Norte, teve o intuito de povoar a terra. Esta ordem demonstra a visão política do governo, ao utilizar o réu de degredo em proveito da Coroa.

Os regimentos, representando um braço da administração central na Colônia, não precisavam mencionar determinado procedimento legal, subentendendo-se nesse caso, que as medidas adotadas estariam em consonância com as Ordenações. É este o caso destes regimentos que, ao mencionarem a diferenciação de penalidades para os distintos segmentos sociais, se reportavam ao privilégio já normatizado no Livro V das Ordenações Filipinas, quando penalizou que “...em sendo peão ... seja açoitado e degredado para sempre para as naus; e sendo pessoa de maior qualidade, seja degredado para o Brasil para sempre; e sendo escravo, morra morte natural...”.

A expansão ultramarina européia e a colonização do Novo Mundo apareceram como um desdobramento da expansão puramente comercial e a colonização tinha como objetivo produzir para o mercado externo, fornecendo produtos tropicais e metais nobres à economia européia. E, neste sentido, a legislação procurou controlar os negócios ilícitos – descaminhos da madeira e dos metais - embora se saiba que a lei dimensionava a dominação, mas não a obediência daqueles que exerciam a tarefa de explorar. 

A estratégia da Coroa no combate aos negócios espúrios - descaminho das riquezas da Colônia – se fez, especificamente, por meio do regimento de 1605 para a exploração do pau-brasil e os regimentos de 1603 e 1618 para a mineração. Ao exigir o cumprimento das normas, aplicando sanções às suas transgressões, a Coroa tentou evitar os prejuízos ao erário Real, numa demonstração da sua arte de governar, ou seja, o desenvolvimento nacional a todo preço, o lucro. 

Em relação à mineração, ao comparar os seus regimentos, percebe-se que o primeiro foi mais detalhista e rígido ao passo que, o segundo, conciso e mais flexível. Além de não ter sido encontrado em abundância o ouro ou a prata durante os século XVI e XVII, provavelmente, o regimento de 1603 não foi operacionalizado também devido à falta de flexibilidade e concisão. Por isso, no Segundo Regimento se tentou administrar e controlar a mineração, a partir de um número reduzido de itens.
Anteriormente à administração Filipina não se observa na legislação a penalização máxima para o desvio dos metais. Somente a partir dos dois regimentos para a mineração foi que se cominou a pena de morte. A razão para este fato parece estar no empenho do governo em fazer desta Colônia uma outra Potosi, não fossem os Filipes reis das duas Coroas. 

Em relação à política adotada pela Coroa na observância e na penalização das normas relativas à exploração do pau-brasil, chama atenção o procedimento legal adotado quanto às infrações cometidas. No Regimento do Pau-brasil, além das penas pecuniárias, dos açoites e do degredo, foi sancionada a pena de morte. Este procedimento legal pareceu inovar em matéria de se fazer cumprir a lei quando comparada às legislações aplicadas anteriormente na Colônia.

Nas Ordenações Filipinas os descaminhos da Fazenda Real, quando não diziam respeito aos metais preciosos, eram penalizados mais brandamente, com a pena pecuniária e o degredo para a Colônia portuguesa na América, mesmo que fosse para sempre, e não com a morte. O pau-brasil, representando lucro para os cofres da Metrópole, não poderia ter o seu descaminho tratado de outra maneira, a não ser com um tipo tão rigoroso de sanção. 

Entretanto, na legislação para a exploração do pau-brasil, apesar de todo o rigor regulamentativo em matéria de se fazer cumprir a norma, foram observados os limites sociais e jurídicos do privilégio estamental ao punir-se com açoites o peão e não ao fidalgo quando cometiam o mesmo delito.  

Portanto, a exploração desses recursos nem sempre obedeceu à lógica governamental levando os exploradores, muitas vezes, a não prestarem contas das riquezas encontradas, daí os negócios espúrios e o controle Real por meio da legislação.