PETRUS PRIMUS DEI GRATIA BRASILIÆ IMPERATOR

Enquanto a Europa vivia dramáticas transformações, com a ascensão do liberalismo e o início da revolução industrial, o príncipe D. Pedro, herdeiro da coroa portuguesa, desafiou a corte de Lisboa ao proclamar a independência do Brasil, tornando-se seu primeiro monarca. 

Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon nasceu em 12 de outubro de 1798, na sala D. Quixote do palácio de Queluz, próximo à Lisboa. Era filho do futuro rei de Portugal, D. João VI, então príncipe regente, e da infanta Carlota Joaquina, filha de Carlos IV da Espanha. Seus primeiros mestres foram o Dr. José Monteiro da Rocha, ex-jesuíta, e frei Antônio de Nossa Senhora da Salete. Depois da mudança da família real para o Brasil, em 1807, frei Antônio de Arrábida tornou-se seu principal preceptor. O príncipe, entretanto, jamais se prendeu aos estudos e preferia a vida livre no paço de São Cristóvão e na fazenda de Santa Cruz. Em março de 1816, com a aclamação de seu pai como rei de Portugal, recebeu o título de príncipe real e herdeiro do trono. No mesmo ano casou-se com Carolina Josefa Leopoldina, arquiduquesa da Áustria. 

Após a volta do rei a Portugal, em abril de 1821, Pedro foi nomeado regente do Reino do Brasil. No ano seguinte, foi pressionado pelas cortes de Lisboa a também regressar, mas resistiu. Em 9 de janeiro de 1822 pronunciou a frase histórica: “Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico!” Em abril, a popularidade do príncipe foi comprovada durante uma viagem a Minas Gerais. De lá, seguiu para São Paulo, a fim de pacificar rebeliões na província. Em 7 de setembro*, quando ia de Santos para a capital paulista, recebeu notícias de Portugal por cartas da esposa e de seu ministro José Bonifácio. Assim tomou conhecimento de que fora rebaixado da condição de regente a mero delegado das cortes de Lisboa.
Ali mesmo, junto ao riacho do Ipiranga, o herdeiro de D. João VI proferiu o grito de “independência ou morte” e rompeu os últimos vínculos entre Brasil e Portugal. De volta ao Rio de Janeiro, em 12 de outubro foi proclamado imperador e “defensor perpétuo do Brasil”. Em 1º de dezembro foi sagrado e coroado. 

Herdeiro do trono português, D. Pedro I decidiu contrariar as restrições da constituição brasileira, que ele próprio aprovara, e assumir o poder em Lisboa como Pedro IV, 27º rei de Portugal. 

Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, de sete anos, nomeou regente seu irmão, D. Miguel. A indecisão entre o Brasil e Portugal contribuiu para minar a popularidade e o prestígio de D. Pedro I. Ao mesmo tempo, no plano interno, fracassavam as forças brasileiras na guerra cisplatina (1825-1827). O imperador chegou a ir ao Rio Grande do Sul, a fim de participar pessoalmente da campanha, no final de 1826. A notícia da morte da imperatriz Leopoldina obrigou-o a mudar os planos e retornar ao Rio de Janeiro. 

O constante declínio de seu prestígio e a crise provocada pela dissolução do gabinete levou o imperador a abdicar em favor do filho D. Pedro, em 7 de abril de 1831, e a retornar à Europa. 

Com o título de duque de Bragança, D. Pedro IV de Portugal (primeiro do Brasil) assumiu a liderança da luta para restituir à filha Maria da Glória o trono português, usurpado por D. Miguel. Em 1832, nos Açores, criou uma força expedicionária para invadir Portugal e iniciou uma campanha que só obteve a vitória ao fim de três anos. 

Apesar de ter reconquistado o trono português para sua filha, Dom Pedro retornou tuberculoso da campanha e morreu em 24 de setembro de 1834 no palácio de Queluz, na mesma sala onde nascera 36 anos antes. Foi sepultado no panteão de São Vicente de Fora como simples general, e não como rei. Seu coração, legado ao Porto, é ali conservado, como relíquia, na capela-mor da igreja da Lapa. 


A PEÇA DA COROAÇÃO

Para comemorar a ascensão de D. Pedro ao trono imperial, cunhou-se a moeda de ouro de 6.400 réis, conhecida como Peça da Coroação, hoje considerada uma das mais raras e valiosas da numismática brasileira. 

Com relação à cunhagem da primeira moeda do Brasil independente, existem algumas teorias (não comprovadas) a respeito de sua fabricação. A primeira destas teorias diz ter sido confeccionada “de última hora” para servir de oferenda à igreja na missa realizada na ocasião da sagração e coroação do nosso primeiro imperador.  A segunda diz que as 64 moedas cunhadas seriam oferecidas aos 64 ilustres convidados à cerimônia, como recordação do evento. Uma terceira teoria diz que deveriam cunhar uma quantidade maior de moedas (bem mais de 64 exemplares), destinadas não somente às autoridades presentes, mas também para serem postas em circulação. A cunhagem teria sido interrompida por D.Pedro I (pelos motivos expostos a seguir), quando já haviam sido fabricadas 64 moedas. Dessa forma, seja como for, ficou conhecida, desde 1908, no meio numismático, como a Peça da Coroação, onde “peça” é designação portuguesa da época para moedas de ouro com valor de 6$400 réis. 

Os 64 exemplares iniciais, assinados pelo gravador Zeferino Ferrez e fabricados pela Casa da Moeda do Rio de Janeiro, não chegaram a cumprir seu objetivo primário, tendo sido a cunhagem suspensa, ao que consta, por D. Pedro I. Ao que tudo indica, não agradou ao soberano, a sua imagem com busto nu, à semelhança daquela usada no mundo romano antigo como eram retratados os imperadores nas antigas moedas imperiais. Além disso, afirmam alguns estudiosos, por um equívoco, a coroa encimando o escudo imperial é a real diamantina (ornada com pedras preciosas ou pérolas justapostas, símbolo do poder real), em vez daquela imperial (designativa do título). Aliado a isso, afirmam alguns numismatas, a omissão da palavra CONSTITUTIONALIS e do complemento ET PERPETUUS BRASILIAE DEFENSOR, de acordo com o soberano e seus conselheiros, poderia pressupor um desejo de poder absolutista, não aconselhado para a época de tribulação política.


CARACTERÍSTICAS
Primeiro sistema monetário do Império do Brasil, 1822R (Casa da Moeda do Rio de Janeiro), catalogado sob os nºs. 538 (Catálogo Santos Leitão) e 0-1240 (Catálogo Kurt Prober), descrita na página 104 do Catálogo Souza Lobo, estampa LXX.

1. Metal: Ouro 916 2/3 milésimos = 22 quilates

2. Peso: 14,342 gramas (4 oitavas). O peso oficial é de 4 oitavas = 14,342 gramas, sendo tolaredas as variações entre 14,1 e 14,6 gramas.

3. Diâmetro: 32,2 mm. Tratando-se de cunhagem efetuada em prensa monetária manual (balancim), poderão aparecer exemplares legítimos com pequenas variações de diâmetro. O diâmetro aproximado da “PEÇA DA COROAÇÃO” é de 32,2 milímetros.

4. Ângulo: O ângulo, do anverso para o reverso é de 350 graus, portanto ligeiramente inclinado.

5. Bordo (espessor): Serrilhado. Escama (serrilha) de segurança, também denominada “escama de peixe” ou “serrilha flor de lis”.

6. Tiragem: 64 unidades - Rs. 409$600 (Quatrocentos e nove mil e seiscentos réis)

Um total de 16 exemplares dessa moeda, datada de 1822, são registrados em coleções nacionais e estrangeiras.

Anv:   No centro do campo, a efígie do Imperador D. Pedro I, de perfil à esquerda (visto de frente), laureada e nua (sem uniforme), encimada ao número da era 1822 e a letra monetária R, sigla da Casa da Moeda do Rio de Janeiro; entre 03 cruzetas assim distribuídas: +1822+R+. Colocada junto à orla, a inscrição (legenda) titular: PETRUS PRIMUS DEI GRATIA BRASILIAE IMPERATOR (Pedro Primeiro pela Graça de Deus Imperador do Brasil) da seguinte forma: PETRUS.I.D.G.BRASILIAE.IMPERATOR. A inscrição Z. FERREZ (Zeferino Ferrez, 1797-1851, gravador e abridor de cunhos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro) em baixo relevo, é aposta na parte ovalada do corte do busto imperial. Limitando o campo, junto à orla, um círculo de pequenos traços de ornamentação e segurança, traçados do campo em direção ao bordo da área da espessura.

Rev: No centro do campo, o escudo das armas imperiais brasileiras, do desenho primitivo, com a coroa real portuguesa (forrada), tendo a inscrição: IN HOC SIGNO VINCES (com este sinal vencerás) dentro do escudo da seguinte forma: IN HOC SIG VIN, legenda abreviada e dividida pelos braços da Cruz de Cristo. (O brasão imperial brasileiro foi posteriormente modificado e já em 1823, foi a coroa real portuguesa substituída pela coroa imperial brasileira e a legenda heráldica IN HOC SIG VIN retirada do centro do escudo de armas). O escudo é colocado entre um ramo de café à esquerda e um ramo de tabaco à direita, apresentando na parte inferior na junção dos dois ramos, o Laço Nacional. Limitando o campo, junto à orla, um círculo de pequenos traços de ornamentação e segurança, traçados do campo em direção ao bordo da área de espessura. Sem valor nominal.


MOTIVOS DA RECUSA DA PEÇA DA COROAÇAO

1. Teria sido por causa da coroa real, no lugar da imperial? 

A peça da coroaçao, através de uma provável ordem verbal - além de ordem escrita para utilizo de ouro no fabrico do cetro, espada e outros para a coroação de D. Pedro I - foi cunhada em alguma data entre a aclamaçao de 12 de outubro, e a coroação de primeiro de dezembro (nesse íntervalo foram cunhados ensaios monetários em prata e cobre, e mais 7 peças em ouro que provavelmente não passaram pelo controle de qualidade e voltaram ao cadinho para serem derretidas). A primeira bandeira brasileira, com armas contendo a coroa REAL, é de 18 de setembro de 1822 (portanto, posterior a aclamaçao). Somente em primeiro de dezembro de 1822 (data da coroação de Pedro I), se usaria o brasão com a coroa imperial. Logo, Zeferino Ferrez não abriu um "cunho errado". Abriu de acordo com as especificaçoes do brasão na [epoca, que viria a ser mudado somente após a coroação de D.Pedro I.


2. Teria sido a presença do termo CONSTITUTIONALIS na legenda?

D. Pedro I, apesar de ser realmente um "imperador constitucional", fazendo jus a trindade imperial (independência, constituição e império), não dispunha de uma constituiçao.
Apesar de se declarar "imperador constucional", essa inscrição não poderia constar na legenda da moeda por não ser OFICIAL (de fato, ensaios posteriores à peça da coroaçao, como o 640 réis em prata, com busto militar, ainda não continham o termo CONSTITUTIONALIS na legenda). 

A história da criação da primeira constituição brasileira é um tanto quanto complicada. Para resumir os fatos, basta recordar que a Assembléia Constituinte começou a ser elaborada somente em 3 de maio de 1823 (muito após a coroação de D. Pedro I, ergo após a cunhagem da peça da coroação), data em que o imperador discursou sobre suas expectativas a respeito dos legisladores.

Devido à divisão em facções politicas por parte dos legisladores, em 12 de novembro de 1823, D. Pedro invade o plenário com seu exercito, prendendo e exilando diversos deputados na conhecida Noite da Agonia. Em seguida, D. Pedro reuniu, à portas fechadas, 10 cidadãos de sua inteira confiança, com o dever redigir a primeira constituição brasileira, finalmente publicada em 25 de março de 1824.

"O termo CONSTITUTIONALIS, abreviado e seguido pelo complemento ET PERPETUUS BRASILIAE DEFENSOR (CONST. IMP. ET PERP. BRAS. DEF.), se inscreve definitivamente nas peças cunhadas em 1824, com a data 1823". Assim, entre os prováveis motivos da rejeição da peça da coroação, por parte de D. Pedro I, podemos excluir a presença da coroa real, e a legenda da moeda. 

Portanto, nos restam duas hipóteses: O BUSTO NU DO IMPERADOR, E A FALTA DE VALOR DECLARADO.

Em concordância com as peças emitidas por seu pai em 1822, D. João VI, a peça da coroação tem o busto de D. Pedro I nu, o que vem eliminado logo nos próximos ensaios monetários dos 640 réis e dos 4000 réis.
De fato, a unica moeda imperial a ter o busto do imperador nu é a peça da coroação. Assim como também é a unica a não ter valor declarado: todos os próximos ensaios, e moedas postas em circulação, tiveram o seu valor facial inciso. Portanto, é logico concluir que, entre outros motivos que podem não nos ser claros hoje em dia, estes tenham figurado entre os dois principais motivos da recusa da peça da coroaçao como modelo standard de moeda para o Império.