Obsidionais holandesas, as primeiras moedas com o nome Brasil



Em meio à guerras, batalhas sangrentas, 
escaramuças, conquistas e perdas ..... 
um rei preocupado com seus domínios ... 
um nobre cavalheiro holandês e seus ideais ... 
e uma empresa comercial, tão aguerrida quanto 
avançada para sua época.
É nesse contexto que surge a primeira moeda 
com o nome da terra ... Não apenas isso; 
esse nome é gravado em OURO.

Nota: O texto a seguir tem como objetivo esclarecer a legitimidade das cunhagens holandesas no nordeste do Brasil, durante a sua ocupação. Ao final da leitura o neófito terá condições de compreender perfeitamente os motivos pelos quais as obsidionais batidas pelos holandeses durante sua permanência no território do Brasil colonial, são moedas brasileiras, devendo fazer parte do acervo numismático do nosso país. Não são moedas particulares da GWC e, muito menos fichas, argumentação sem qualquer lógica que a justifique, defendida por alguns autores.

Boa leitura a todos!


INTRODUÇÃO

Em 1600, Amsterdam não passava de um remoto porto de pescadores. Apenas trinta anos depois, enquanto Jan Veermer engatinhava pelos corredores do casarão de Delft, e Rembrandt se afirmava como artista, as docas abundavam de seda chinesa, cobre, ferro e os novos vícios do momento, o açucar e o tabaco. Em apenas uma geração, Amsterdam havia passado de província fracassada à senhora da economia mundial, criando, por assim dizer, o primeiro "supermercado" do século XVII.

Grandes fortunas surgiram, rápida e espetacularmente. Os novos ricos - homens como Nicolaes Ruts, conhecido e rico mercador de peles de Amsterdam, na figura ao lado, retratado pelo mestre Rembrandt H. Van Rijn - não tinham a menor vergonha em exibir sua opulência e fartura. À beira dos grandes canais construíam casas elegantes, onde entravam todas as coisas boas e desejáveis da época; tudo que o dinheiro, muito dinheiro, pudesse comprar: Papéis de parede, couro, vestidos bordados com fios de ouro, jóias, prataria, cerâmica (Delft ficou famosa por sua produção artística de fino acabamento), quadros de grandes mestres, belíssimos espelhos em molduras folheadas a ouro "zecchino" e mapas, muitos mapas do mundo que estavam conquistando.

Nessa época, no Brasil recém-descoberto, o comércio interno era muito reduzido. As mercadorias eram trocadas por outras, num processo conhecido como “escambo”. Apesar da moeda ser, teoricamente, portuguesa, também circulavam moedas hispano-americanas e de outras nações, aceitas principalmente pelo seu valor intrínseco.

A moeda sonante (dinheiro amoedado) vinha, em sua maior parte, de Portugal. Em grande quantidade, contudo, eram as espanholas, cunhadas em solo europeu ou em suas colônias (moedas hispano-americanas). A Espanha era uma nação muito rica, possuidora de grandes reservas metálicas de ouro e prata, extraídas do seu vasto império colonial. De 1580 a 1640, tempo em que Portugal esteve sob o seu domínio, no Brasil Colônia circulava a moeda hispano-americana (o real), principalmente as cunhadas em Potosi (Bolívia). Eram de 1/2, 1, 2, 4, 8 reales equivalentes, naquela época, a 20, 40, 80, 160 e 320 réis, respectivamente.

Quando a Holanda ocupou o nordeste brasileiro em 1624, sob o seu domínio foi batida a primeira moeda no território nacional, com o nome BRASIL. Sua forma era romboidal, pequena, confeccionada em ouro; as primeiras, em 3 valores, nas datas de 1645 e 1646 e a de prata em um único valor datada 1654. Eram usadas principalmente para pagar os soldados e mercenários, no território ocupado. 

Com a derrota dos holandeses, em 1654, e a restauração do reino de Portugal, a Colônia retornou à política monetária portuguesa. A partir do Governo de D. João IV, no ano de 1643 as moedas de prata espanholas passaram a ser nacionalizadas, inicialmente carimbadas com um sinete real, nos valores de 480 e 240 réis, com o Alvará de 26 de fevereiro de 1643.

Vista de Delft (Jan Vermeer), em torno a 1660, poucos anos 
depois da capitulação dos holandeses no Recife.


As relações entre Portugal e os Países Baixos vem de longa data. Com a grande expansão ultramarina portuguesa, iniciada no final do século XV, o reino conquistou terras, alcançando riquezas, e possibilitando acesso a produtos então vitais para a economia européia. 

Entretanto, a notável centralização política  - Portugal foi o primeiro reino europeu a superar o feudalismo, com a centralização monárquica criada por D. João I - que no início serviu para impulsionar o país rumo aos descobrimentos, num segundo momento demonstrou ser um entrave ao capitalismo, visto ser de competência do Estado português investir no descobrimento de terras, na sua exploração e guarda, reservando-se à Coroa a posse dos "lucros" resultantes desses investimentos. 

Isso impedia o desenvolvimento de uma burguesia nacional e o seu natural desejo em acumular capital. A iniciativa privada não era tolerada pelo Estado português, que absorvia praticamente quase todas as rendas obtidas no comércio colonial, sendo soberano em decidir onde e como investir tais lucros. Os representantes do capital comercial não ocupavam, na hierarquia estatal, notáveis posições de prestígio que pudessem fazer valer seus interesses. Estes eram entregues à uma nobreza tradicional e parasitária, o que gerava ineficiência, gastos excessivos com a corte e, eventualmente, o aumento da corrupção.

Na ausência de uma burguesia interna forte, impedida de surgir e desenvolver-se dentro desse contexto, Portugal era incapaz de promover, junto ao mercado europeu, a comercialização dos produtos e riquezas que vinham de suas várias colônias. Aliado a esse problema, a centralização estatal estagnava a produção interna do reino. Visto que a manufatura nacional e a produção não recebiam capitais destinados prioritariamente à defesa e à manutenção das colônias, a consequência era a dependência do país em relação aos produtos externos, principalmente os manufaturados.

Dessa forma, o reino de Portugal dependia de países como Inglaterra, França e da emergente Holanda, para comercializar e distribuir seus produtos dentro da Europa, bem como necessitava dos manufaturados que esses países fabricavam, e que não eram produzidos no reino para seu mercado interno. 


A dependência externa existia então em dois níveis: 

1) Da metrópole em relação aos produtores de manufaturados;  

2) Das colônias, que necessitavam da Metrópole para seu abastecimento, e que também eram abastecidas indiretamente por centros produtores externos.

O déficit da balança comercial portuguesa era,via de regra, enorme. O país importava mais do que exportava, e isso era compensado pelas riquezas que vinham das suas possessões. 

Certos fatos ilustram muito bem o grau da dependência de Portugal, nesse caso, particularmente em relação à próspera Holanda. A maior parte da instrumentação náutica e das armas usadas pelos portugueses vinham de Flandres e de Brabante (também chegavam de Florença/Itália). As “Urcas” holandesas supriam as deficiências da marinha mercantil lusitana no transporte do açucar brasileiro para Lisboa (quase 70% desse transporte era feito pelos flamengos). Houve períodos em que os holandeses chegaram a controlar cerca de 2/3 do comércio do açucar brasileiro, financiando a sua produção e refino. Eram num total de 25 as refinarias de açucar brasileiro instaladas em Amsterdam.

Os países baixos eram um dos grandes (provavelmente o maior, à época) beneficiados pelo comércio com Lisboa. Os lucros obtidos pelos flamengos com esse financiamento e produção eram altíssimos.



A UNIÃO IBÉRICA

Com a morte de D. Sebastião em Marrocos, na mal sucedida batalha de Alcácer Quibir, sobe ao poder seu tio D. Henrique, um cardeal idoso, que veio a falecer em 1580, sem deixar herdeiros. Com ele terminava a dinastia de Avis, numa sucessão de soberanos que durou quase 200 anos. 

D. Felipe II da Espanha, neto de D. Manuel o Venturoso, reclama o trono, e se sobrepõe a seus concorrentes. As forças espanholas invadem Portugal, e com o apoio da nobreza, dá-se início à União Ibérica, com o reino português governado pelo soberano espanhol. Em 1581 ocorre o juramento de Tomar, onde Felipe II compromete-se a respeitar a autonomia portuguesa e de suas colônias, bem como as leis e costumes do país.

Ao longo de sua história, Portugal havia desenvolvido uma política de neutralidade em relação aos demais conflitos europeus. Não entrou em guerra nem mesmo com a França, que havia mais de uma vez invadido o território brasileiro tentando estabelecer colônias. As guerras que foram travadas pelo domínio na região, aconteceram tão somente nos limites coloniais.

Com a União Ibérica o quadro da neutralidade portuguesa mudou radicalmente. Ao unir-se à Espanha, o país acabou envolvido nos conflitos europeus. O reino espanhol, dominado pelos Habsburgos, tinha vários interesses no continente, tomando parte em diversas e dispendiosas guerras dinásticas e sucessórias.

Felipe II seguiu a política intervencionista de seu pai, Carlos V, procurando influir em diversos assuntos europeus. Seu governo era absolutista, e na Espanha de então grassava uma enorme intolerância religiosa, encabeçada principalmente pela Santa Inquisição. 

A política de Felipe II era também opressiva. O rei apoiava a intolerância católica, sendo ele mesmo um fanático religioso. Desrespeitou as tradições dos Países Baixos, reprimindo o Calvinismo, tributando pesadamente as Províncias Holandesas, enriquecidas com o intenso comércio praticado pela forte burguesia comercial local. Como o imperador espanhol não podia tolerar heresias em seus domínios, nomeou juízes e sacerdotes espanhóis de sua confiança para controlar os Países Baixos. A fogueira da inquisição católica passou a arder em terras holandesas, e com ela chegou também o confisco dos bens dos heréticos em favor da coroa espanhola.

Os ricos Países Baixos então se rebelaram, diante de tamanho descontentamento. Iniciam-se assim, as revoltas internas e lutas contra as tropas espanholas estabelecidas na região. Mesmo com o poderio militar ibérico e com a repressão promovida pelo Duque de Alba, os revoltosos não recuaram. 
As 17 províncias que formavam os Países Baixos se unem contra Felipe II, e a guerra começa a ficar custosa demais até mesmo para o rico erário espanhol, abarrotado de prata vinda de suas possessões latinas. 

As províncias do Sul, temerosas do poderio da Espanha, se submetem em 1579. Contudo, as províncias do Norte prosseguiram em sua luta; as províncias setentrionais, em número de 7, formaram a "União de Utretch", liderada por Guilherme de Orange que não reconhecia a soberania espanhola. Com o assassinato de Guilherme pelos espanhóis, o conflito e intensa luta armada prosseguem, fazendo surgir a República da Holanda, ou "Províncias Unidas dos Países Baixos".

Com Portugal sob o domínio espanhol, e a Espanha em luta com a então recém criada República da Holanda, o vantajoso comércio travado entre Lisboa e os Países Baixos - comércio que proporcionou lucros incríveis a esses últimos - encontrava-se impossibilitado. Felipe II proibiu tal comércio, ficando os navios flamengos proibidos de aportar em terras sob domínio espanhol. Isso incluia, naturalmente, Portugal, Brasil e as demais colônias lusas, que estavam agora impossibilitadas de comercializar com os holandeses.



AS COMPANHIAS DAS INDIAS

O lucrativo comércio travado entre Portugal e colônias com as Províncias Holandesas sofreu grandes prejuízos graças à União Ibérica e as guerras de Felipe II, que acabaram envolvendo Portugal, direta ou indiretamente.

A agora independente Holanda teve que rever o seu comércio, reorganizando-o conforme as novas regras agora impostas. Surgiu assim, em 1602, a sua primeira companhia de comércio, a V.O.C (Vereenigde Geoctoyeerde Oostindische Compagnie) ou Companhia das Índias Orientais.

A V.O.C. cunhou grande quantidade de moedas nas colônias dooriente, até o seu desaparecimento no início do século XIX. Era uma Sociedade Anônima que mobilizava investimentos, inicialmente em âmbito nacional e, seguidamente, também naquele internacional. Era companhia privilegiada (como o próprio nome sugere), sendo isenta de impostos, chegando mesmo a suprir o papel colonial do próprio Estado, algo muito avançado para a época. Os lucros obtidos pela companhia na Ásia eram imensos, e deixavam cada vez mais ricos os seus acionistas, com as ações da Companhia cada vez mais valorizadas e procuradas. Com tanto poder financeiro, não demorou para que o monopólio ibérico fosse quebrado nas Índias e Oriente, e os Holandeses começassem a conquistar colônias e monopólios comerciais que antes eram da Coroa Portuguesa (Málaca, Ceilão e outras).


A Companhia das Índias Orientais foi tão bem sucedida econômica e militarmente, que os flamengos resolveram repetir a idéia; só que agora voltada para a exploração de colônias no Ocidente. Surge assim, em 1621, a Companhia das Indias Ocidentais (Geoctoyeerde West-Indische Compagnie), que também possuía o mesmo formato de Sociedade Anônima. Com uma sólida estrutura financeira, não demoram os holandeses em voltar seus olhos ao rico e lucrativo Brasil açucareiro, comércio do qual tinham sido oficialmente privados pelo odiado D. Felipe da Espanha.

Entretanto, ao contrário da Companhia das Índias Orientais que lidava com povos até bem desenvolvidos - oriundos de civilizações bem antigas e ricas e com bom conhecimento da prática comercial - a Companhia Ocidental iria lidar com povos indígenas semi-bárbaros, com inimigos mais numerosos e bem armados que no Oriente (o comércio português na região já era decadente), e com terras estranhas e muitas vezes inóspitas para os flamengos. Para obter o açúcar, o pau brasil e outros tão desejados produtos, seria necessário lutar muito. Bem mais que nas bandas orientais, eram necessários muito mais homens, armas e navios, e muito mais dinheiro.

A GWC possuía um caráter bélico bem mais acentuado que sua irmã oriental. Na época, era uma companhia voltada muito mais para a conquista militar, ocupação e pirataria em grande escala. Os alvos prediletos eram os galeões portugueses abarrotados de açucar, e os espanhóis carregados da prata do novo mundo. A bem da verdade, tratava-se de um exército paralelo ao estatal, mantido com capitais privados. Contando com a participação de mercenários contratados, era uma das forças mais poderosas no mundo daquela época.



AS INVASÕES HOLANDESAS NO BRASIL COLONIAL

Em 1624, surgiram no mar da Bahia 26 galeões de guerra holandeses transportando mais de 3.000 homens em armas sob o comando do almirante Jacob Willekens (na figura ao lado, o segundo, a partir da direita, retratadom pelo pintor Govert Flink, seguidor de Rembrandt). A Bahia foi escolhida por ser um grande centro açucareiro, bem como por ser a capital da América Portuguesa. 

A invasão tinha sido planejada já em 1623, e apesar de saber antecipadamente da grande probabilidade desse ataque, o governador Diogo de Mendonça Furtado, talvez por não acreditar que uma expedição dessa magnitude aportaria justamente na sua cidade, não organizou suas defesas. Além disso, já havia cedido às pressões do arcebispo Dom Marcos Teixeira, dispondo de grande numerário destinado a defender a cidade,agoar empregado em obras para a Igreja Católica. 

Com a investida desse exército, a despreparada Salvador sucumbe após alguns combates. A população foge para o interior e para os engenhos afastados, dando início à organização da resistência. Um  dos líderes é justamente o bispo Marcos Teixeira, talvez atormentado pelo arrependimento. Ao final desse ataque bem sucedido, o governador Diogo de Mendonça Furtado foi capturado e deportado com seu filho para a Holanda.

Em 1625, chega à Bahia uma poderosa esquadra luso-espanhola, liderada por D. Fradique de Toledo Osório. Cercados por terra e sem poder receber reforços pelo mar, os holandeses acabam por depor as armas. Aos problemas da GWC somaram-se outros mal sucedidos ataques às colônias portuguesas na África e nas Antilhas espanholas, dando um grande prejuízo à Companhia. Suas ações experimentaram uma vertiginosa queda, colocando a empresa à beira da bancarrota. 

Entretanto, em 1628, os holandeses conseguem uma grande reviravolta nos acontecimentos. Peter Heyn, ancorado na Ilha de Cuba, toma de assalto uma esquadra espanhola abarrotada com um carregamento de prata vindo do México. A pilhagem foi tão boa que conseguiram cobrir os prejuízos da empresa com os fracassos anteriores. 

Recuperada e livre do fantasma da bancarrota, a GWC pode preparar sua nova investida em um bem sucedido ataque às cobiçadas terras do açucar.

Frederick Hendrik, príncipe de Orange, irmão de Maurício de Nassau. Medalha comemorativa de seus feitos e glórias. Entre as citações, aquela relativa a Pernambuco, bem como à conquista da esquadra espanhola, em Matanzas (Cuba), que transportava enorme carregamento de prata. A pilhagem compensou o prejuízo da primeira invasão fracassada ao Brasil, salvando a GWC da ruína.


MAURÍCIO DE NASSAU

Para consolidar sua conquista, A GWC enviou ao Recife o conde João Maurício de Nassau-Siegen. 

Nassau era alemão, um príncipe do pequeno Estado de Nassau-Siegen. Desembarcou no Brasil em 1637, junto com uma armada de 12 navios e 2.700 homens. Em pouco tempo revelou-se um estadista e excelente diplomata, estabelecendo boas relações com os senhores de engenho e a gente da terra, emprestando dinheiro para que os engenhos voltassem a funcionar ou expandissem suas capacidades, dessa forma aumentando a produção com o incremento de novas técnicas. 

Permitiu a liberdade de culto, inclusive aos judeus que fundaram no Recife a primeira sinagoga das Américas. Procurou transformar a cidade numa capital moderna, a cidade Maurícia, ou Mauritsstad. Providenciou vários aterros, construiu diques, canais, pontes, e até palácios para a administração (o principal esteve de pé até o século XVIII, quando um governador português mandou derrubá-lo).

Sua expedição contava com a participação de pintores, artistas e pesquisadores. Criou a coleta de lixo, um corpo de bombeiros e até um observatório astronômico, iniciativas hoje consideradas inovadoras e visionárias para aquela época.

Com uma boa administração, aliada às conquistas militares, Nassau consolidou o poder holandês na região. Derrotou o Conde de Bagnoli em Alagoas, oficial italiano a serviço de Portugal que bateu em retirada para Sergipe. Em 1637 enviou à África, sob o comando do coronel Hans Koin, uma expedição naval que contava com mercenários e indígenas Tapuias brasileiros, conquistando o Forte de São Jorge da Mina, a mais antiga possessão colonial portuguesa na costa africana. A possessão portuguesa da Mina foi colocada sob o controle de Recife.

Nota: A fortaleza de São Jorge da Mina foi construída com o objetivo de escoar e defender o ouro que, das ricas regiões auríferas do interior, era enviado para o litoral. Posteriormente, tornou-se o primeiro entreposto de escravos da era moderna. Também designado por Castelo da Mina, Feitoria da Mina, e posteriormente por Fortaleza de São Jorge da Mina, Fortaleza da Mina, ou simplesmente “Mina”, localiza-se na atual cidade de Elmina, em Gana, no litoral da África Ocidental. Após a sua ocupação pelos Holandeses em 1637, o seu nome passou a figurar na cartografia apenas como Elmina. Erguida em 1482, foi a primeira grande construção européia na África tropical. Para várias tribos e numerosos reinos, Elmina simboliza o holocausto provocado pelo tráfico negreiro. Para as nações européias que exploraram a costa africana, como Portugal, Holanda, Inglaterra, Dinamarca, Suécia e Alemanha, o lugar foi fonte de riquezas durante 400 anos. De lá saiu o ouro que financiou as navegações portuguesas no século XVI, e os escravos que fizeram prosperar as usinas de açúcar do Brasil.

Tentou novamente a invasão da capital da Bahia, Salvador, mas encontrou lá forte resistência, não obtendo sucesso. Entretanto, expandiu a conquista com a anexação do litoral das Capitanias do Ceará, Sergipe e Maranhão.

Em 1640 Nassau voltou-se contra Luanda. O objetivo era quebrar o fornecimento de escravos para a Bahia, minando a resistência do Brasil português, que ficaria sem mão de obra na lavoura de cana de açucar. Todavia, a motivação principal era cortar o suprimento de escravos destinados às minas de prata da América Espanhola. Seria um duro golpe para a coroa portuguesa, dependente da Espanha. Assim, partiu de Recife uma poderosa esquadra em direção à Luanda. Diante da poderosa armada, a cidade caiu sem resistência, indo a tropa e a população portuguesas se refugiar em Massangano. Tomou também São Tomé e feitorias na Guiné. No mesmo ano, ainda conquistou aos portugueses a ilha de São Luis do Maranhão.

Apesar dos esforços e conquistas de Nassau, o Brasil holandês não ía bem. O preço do açúcar iniciava sua fase de declínio, e os senhores de engenho começavam a se rebelar contra a GWC. Com um débito de mais de 5 milhões de florins com a Companhia (empréstimos concedidos por Nassau para incrementar a produção), a volta do domínio português acenava como uma boa chance de não quitarem essas dívidas. Os poderosos senhor de engenho iniciam então, sua campanha difamatória contra os holandeses. O objetivo era unicamente o de dar um calote nos holandeses, já que com sua expulsão do território, as vultosas dívidas iriam desaparecer como num passe de mágica.

Juntou-se a isso uma praga de bexigas que assolou a população negra, matando vários escravos, fazendo a produção despencar ainda mais.(Mary C. Karasch, Will e Ariel Durant)

Nassau havia investido muito em prol da cidade do Recife. Segundo seus sonhos, seria a grande capital do domínio holandês no Brasil. Contudo, a GWC estava insatisfeita com todos os investimentos destinados ao engrandecimento da cidade. Começaram as falências de empresas açucareiras em Amsterdam, fazendo com que as ações da GWC experimentassem, mais uma vez, uma significativa baixa. Com tudo isso Nassau foi chamado, em 1644, de volta à Holanda, para nunca mais voltar ao Brasil. Em seu lugar assume a junta denominada de Conselho dos XIX, com sede em Amsterdam.

"O Conselho", como era conhecido, dava ordens ao Alto e Secreto Conselho do Brasil, responsável pela administração direta, cujo objetivo principal era obter o máximo lucro possível da terra, a fim de compensar os investimentos e prejuízos experimentados. 

Retornando à Holanda, Nassau ainda chegou a Governador de Kleve. Pegou em armas contra a França e a Espanha, e foi nomeado governador de Utrecht. Por haver transformado Recife, com tantas obras e investimentos, em uma cidade que lhe valeu o título de grande centro urbano da época, Nassau ainda permanece vivo na memória da gente pernambucana. Foi tolerante, diplomata, e desenvolveu a urbanização e o embelezamento da cidade. Em sua homenagem existem ruas, praças, uma ponte e uma faculdade que leva o seu nome. 



A RECONQUISTA

Com a saída de Nassau e a crise do preço do açúcar, a GWC, por meio do Alto e Secreto Conselho sediado em Recife, começou a cobrar dos senhores de engenho de Pernambuco os empréstimos concedidos. Tais cobranças se somaram aos problemas com pragas na lavoura da cana. Os senhores de engenho não masi honravam seus débitos que acumulavam a essa altura, a espetacular soma de mais de 130 tonéis de ouro, correspondentes a 13 milhões de florins.  Os holandeses passaram, então, a desapropriar os engenhos. 

Sem Nassau, a cidade não recebia mais os investimentos de outrora, dando início a um período  de decadência social; a insatisfação era geral. Os senhores de engenho aproveitaram o momento de tensão socil e passaram a queimar as propriedades, os estoques de açucar, fugindo para o mato em seguida, dando início à Insurreição Pernambucana. Portugueses,  luso-brasileiros (mazombos), negros e indígenas aliados, estavam prestes a enfrentar um dos melhores e mais equipados exércitos da época.

Nota: Mazombo - Brasileiro, filho de europeus.

Os senhores de engenho João Fernandes Vieira (português) e André Vidal de Negreiros (brasileiro branco - mazombo) deram impulso à revolta. Apoiando os senhores de engenho, estavam o líder indígena poti Felipe Camarão, aliado da coroa portuguesa, e o ex-escravo Henrique Dias; esse último irá comandar o contingente de negros e ex-escravos aliados dos luso-brasileiros. De acordo com a história oficial, é nessa época que começa a surgir o conceito da nacionalidade brasileira. 

Tem início as guerrilhas contra as tropas regulares holandesas, que começam a ser derrotadas pouco a pouco, batalha após batalha, num processo de desgaste doloroso para ambas as partes.



GUARARAPES - A ÚLTIMA BATALHA

Os exércitos luso-brasileiros contavam com um efetivo aproximado de 2.200 homens. Eram divididos em quatro Terços17, comandados pelos quatro mestres-de-campo mencionados anteriormente: João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros; o governador dos indígenas, capitão-mor Filipe Camarão, e o governador dos negros, Henrique Dias. Os Terços não dispunham de nenhuma artilharia de apoio.

No dia 17 de abril de 1648, o governador das Armas Holandesas, Sigmund von Schkoppe, conhecido pela crueldade com que tratava os seus adversários e pelo espírito de disciplina imposto aos seus subordinados, saiu do Recife no comando de um formidável exército de 4.500 homens, divididos em sete regimentos, acrescidos de aproximadamente 1000 indígenas Tapuias e negros carregadores. De acordo com as reformas implantadas por Maurício de Nassau, que visavam adaptar a estratégia de combate à realidade brasileira, os batalhões dos exércitos holandeses eram formados por 500 homens, assim divididos: 1) 300 piqueiros, combatentes que carregavam grandes lanças de 18 pés de comprimento, e 2) 200 mosqueteiros que se alternavam em fileiras por ocasião do desenvolvimento da batalhas.

As tropas luso-brasileiras chegaram a Guararapes no sábado, à tarde. À noite, por volta das 10 horas, posicionaram-se em troços numa planície ao pé do monte conhecido como Outeiro18, distante três léguas do Arraial Novo e a uma légua da Muribeca19. 
Restava ao inimigo uma passagem de pouco mais de cem passos de largo (aproximadamente 100 metros), entre o Outeiro e um terreno alagadiço que o contornava. Assim aguardavam os luso-brasileiros, escondidos entre a vegetação e o manguezal, em sítio acomodado, não só para reprimir o ímpeto do inimigo, mas também para destruí-lo. 

Mantendo escondidas as tropas, Barreto de Menezes avançou através do Boqueirão sobre os holandeses. Agiu com um efetivo aproximado de 300 homens, mas apenas para atraí-los para uma grande emboscada, fazendo crer ao inimigo que dispunham apenas de uma pequena força defendendo aquela importante passagem para o sul. 
Von Schkoppe não pensou duas vezes. Ordenou que uma força composta de seu regimento e dos regimentos dos coronéis Van Elst e Keervaen dessem carga à pequena força luso-brasileira a fim de conquistar o Boqueirão. 
Os holandeses progrediam com grande dificuldade através dos alagados (manguezais, lama mole) para flanquear pela esquerda a pequena força ao comando de Dias Cardoso. Enquanto isso, a ala direita holandesa iniciava a progressão sobre os luso-brasileiros, atacando seu flanco direito. Os holandeses entraram no boqueirão caindo na grande emboscada, acreditando que as forças que os esperavam eram reduzidas. Nesse momento, o Mestre de Campo Barreto de Menezes que mantinha o grosso de suas forças a coberto, ordenou um ataque total dos luso-brasileiros. Após breves trocas de tiros que poucas baixas causaram, desfecharam violento ataque à espada contra os holandeses, na estreita faixa do interior do Boqueirão, o local para onde foram atraídos os batavos. 

Nota:
Terço: Parte de um exército, correspondente ao regimento atual.
Outeiro ou Lomba: Elevação do terreno menor que o morro, geralmente local de preces e orações.
Muribeca: Município brasileiro do estado de Sergipe. Localidade pertencente na época a Propriá, localizada a 72 quilômetros de Aracaju, no Agreste Sergipano. Seu antigo nome era Sítio do Meio. As terras de Muribeca faziam parte da área que Cristóvão de Barros, conquistador de Sergipe, deu em 1590 a seu filho, Antônio Cardoso de Barros, através de sesmaria. 

Logo se instalou a confusão e a desordem no dispositivo holandês, provocando a debandada de muitos de seus soldados. Ao baterem em retirada, dando as costas aos luso-brasileiros, muitos holandeses foram, impiedosamente, abatidos à espada. Os numerosos holandeses que correram para os alagados (mangues) encontraram a morte ali mesmo, abatidos a tiros, lanças e espada; provavelmente pelas forças de Felipe Camarão (chefe indígena), habituados a progredir nos alagados. 

Terminada a escaramuça, os luso-brasileiros iniciam a se recompor e se organizam para o combate do dia seguinte. Os holandeses, aproveitando-se da noite, bateram silenciosamente em retirada para a Leiteria (Boa Viagem), sob a forte chuva que caiu durante a madrugada. O aguaceiro apanhou os luso-brasileiros em posição em campo aberto, castigando-os, impedindo um sono reparador, agravando a situação dos feridos.

Animada com essa grande vitória, a coroa portuguesa resolve então mandar reforços. Vendo que, ao contrário do que pensava D. João IV e seus ministros, Pernambuco não estava irremediavelmente perdida, resolvem colaborar com as tropas. Em agosto de 1648, chegaram a Pernambuco 300 infantes dos terços das Ilhas, armados com material moderno, arcabuzes compridos que alcançavam distância maior do que aqueles dos holandeses, colocando o combatente a reparo da ofensiva inimiga.


O SEGUNDO CONFRONTO

Em 1649, mais uma força holandesa, composta de 3.510 homens, comandados pelo coronel Van der Brincken, sai de Recife ao encontro dos luso-brasileiros nos Montes Guararapes, iniciando assim o segundo confronto. Na vanguarda, foram distribuídos em grupos muitos soldados com lanças e piques para reprimir a temida investida à espada dos luso-brasileiros. 

Os holandeses esperavam as tropas nativas avançando pelo norte, mas para sua surpresa, elas acabaram atacando pelo sul, onde não eram esperados. E assim ficaram os exércitos: Os holandeses numa posição mais alta, ocupando o monte, e os luso-brasileiros em baixo, ao pé do monte, entocados nos mangues, impedindo qualquer retirada. Os grupos de luso-brasileiros se espalhavam, escondendo-se nos matos e canaviais, acompanhando os movimentos holandeses e atacando em emboscadas.
Imobilizados no alto dos montes, longe das fontes de água bloqueadas pelas tropas nativas, os batavos começaram a sofrer de sede com o imenso calor local. Assim o coronel Van der Goch descreve a situação: 

“Tendo tomado em consideração que o inimigo não seria facilmente seduzido a dar combate, visto conservasse posição privilegiada nos matos e por detrás dos pântanos, e que as nossas tropas ficando sobre os montes, que são desertos, sem sombra e água, seriam extremamente fatigadas e enfraquecidas, procedeu-se à convocação dos chefes da expedição para deliberarem juntamente sobre o que fazer nessas circunstâncias, e todos por unanimidade opinaram que não se devia aconselhar conservar as tropas ainda por mais tempo no alto dos montes, com a esperança incerta de chamar para lá o inimigo, e que por consequência as tropas deviam retirar-se antes que os embornais ficassem inteiramente vazios e os soldados inteiramente esgotados pelo calor excessivo”

Às 3 horas da tarde, começam os regimentos holandeses a descer dos montes, em ordem. Ao tomar conhecimento da retirada, e aproveitando-se do erro estratégico dos inimigos, os lusos-brasileiros fazem valer suas posições privilegiadas, iniciando um ataque que viria a se transformar em um verdadeiro massacre. Expostos à força e intensidade dos ataques, os holandeses não viram outra alternativa que não fosse a de bater em retirada, conforme relata carta de um oficial:

“O tenente coronel Claes com o regimento do tenente general do qual naquele momento tinha o comando, e o coronel Hauthyn, tendo entrado ambos igualmente em ação contra o inimigo, e tratando de reconquistar a garganta do monte abandonado, tiveram que recuar igualmente, frente à excessiva força do inimigo, que então veio com tanta impetuosidade sobre nós que as nossas tropas começaram a fugir gerando a maior confusão. A tal ponto de que nem palavras nem a força puderam contê-las, apesar de todos os esforços dos oficiais em geral. Essa fuga e confusão foram consideravelmente aumentadas pelas tropas dos coronéis van der Brande e van Elst, que descendo o monte vieram correndo o mais que podiam atirar-se em confusão nos mencionados regimentos do tenente general e de Hauthyn, produzindo nele uma desordem completa”.

A situação, relatada pelo Antônio de Souza Junior após aproximadamente 3 horas de luta ferrenha:

“Vieira se foi unir e incorporar com André Vidal de Negreiros, Francisco Figueiroa e António Dias, e todos juntos foram apertando o cerco contra o inimigo. De tal sorte que o fizeram precipitar e despencar por aquelas barrocas e grotas dos montes Guararapes, donde lhe fizeram grande estrago e mortandade, com que já estava já toda aquela campanha dos altos e baixos dos montes, lastrada e juncada de corpos dos inimigos, que era uma cousa horrenda de se ver tanta mortandade, tantas e tão espantosas feridas, tantos corpos sem cabeças, braços, pernas, uns já mortos, outros agonizando e lutando com a morte, outros revolvendo-se em sangue e muitos urfando e gritando com ânsias e agonias mortais, não poucos dando e exalando o último suspiro.”

O relato do major português está bem de acordo com o outro do oficial holandês, que assim descreveu a retirada, em carta à GWC:

“Em referência ao combate, observei principalmente duas particularidades que, em minha opinião, merecem bem atenção: Em primeiro lugar, as tropas do inimigo saindo do mato e por detrás dos pântanos, e de outros lugares, tinham a vantagem da posição; atacavam sem ordem e em completa dispersão e aplicavam-se a romper diferentes quadrados. Em segundo lugar, as tropas inimigas são ligeiras e ágeis de natureza, para correrem para adiante ou se afastarem, e por causa de sua crueldade inata são também temíveis. Compõem-se de brasileiros, tapuias, negros, mulatos, mamelucos, nações de todo o país e também de portugueses e italianos, que tem muita analogia com os naturais do país quanto à sua constituição, de modo que atravessam e cruzam os matos e brejos, sobem os morros tão numerosos aqui e descem tudo isso com uma rapidez e agilidade verdadeiramente notáveis. Nós, pelo contrário, combatemos em batalhões formados como se usa na mãe pátria, e nossos homens indolentes e fracos, nada afeitos à essa terra, disso resulta que essas espécies de ataque com armas de fogo, como acima se trata, devem ter inevitavelmente bom resultado, e que rompendo nossos batalhões e pondo-os em fuga, nos infligem um maior número de baixas, entre os soldados em perseguição, do que teriam feito em combate mesmo. Além disso, as peças de artilharia de campanha, não podendo ser apontadas sobre bandos ou grupos dispersos, tornam-se inúteis, ou para melhor dizer, transformam-se em verdadeiras charruas para o nosso exército, sem contar uma multidão de outros inconvenientes, muito numerosos para serem aqui apontados.”

Após essa derrota, a capacidade de ataque dos holandeses se anula, e tudo que se pode fazer é tentar defender o Recife, ainda bem fortificado. Mais uma vez os luso-brasileiros tomam boas quantidades de pólvora, dinheiro, armas e peças de artilharia. Ao mesmo tempo, a moral das tropas holandesas cai a níveis alarmantes; o número de deserções aumenta.

Nesse meio tempo, Angola foi recuperada pelas tropas de Salvador Correia de Sá. Estamos no ano de 1648! A situação para os holandeses piora tanto que os Estados Gerais exigem uma declaração de guerra formal contra Portugal, bem como autorização de pirataria contra as embarcações portuguesas em qualquer lugar do globo. O embaixador em Haia, Souza Coutinho, recebe um comunicado de D. João IV, exigindo o imediato reconhecimento do Brasil holandês e do Ocidente africano (Angola e São Tomé). O embaixador ganha tempo, fazendo propostas de venda de Pernambuco e Angola a preços altíssimos. Os Estados Gerais decidem cercar o porto de Lisboa com uma esquadra de 25 navios de guerra, ameaçando Portugal, caso não restaurasse o que a GWC havia perdido na Africa e no Brasil. 
O conflito agora ameaçava chegar às portas do palácio de D. João IV. O rei português se mostrava inclinado a vender Pernambuco aos holandeses. Todavia, para sorte de Portugal, a Inglaterra e a Holanda entram em guerra pela supremacia dos mares em 1652. A esquadra holandesa que faria o bloqueio do porto de Lisboa, é mobilizada contra as poderosas forças britânicas.

Havia o temor das cortes de que os pernambucanos buscassem ajuda dos ingleses, de qualquer príncipe cristão, ou mesmo da odiada coroa de Castela, caso se sentissem abandonados pelos portugueses. Em 1652, com os esforços holandeses canalizados contra os britânicos, era hora de tomar de volta o Recife, último bastião de defesa holandesa. Diante das vitórias dos Guararapes e sabendo do empenho dos holandes em guerra contra a Inglaterra, D. João IV resolve agir e desafiar o imenso poderio militar e econòmico holandês. 

Em 1653, surge na costa do Recife a frota da Companhia de Comércio do Brasil, composta de 77 navios sob o comando de Pedro Jaques de Magalhães. A defesa do Recife estava nas mãos de homens cansados e desmoralizados, mal pagos e com salários atrasados. A esquadra toma posição de ataque, bloqueando a entrada do porto do Recife. Cercados por mar e por terra, cansados e desmotivados, os holandeses começam a entregar suas fortalezas, uma a uma, e a baixar as armas e bandeiras. Não haviam meios nem motivação para lutar. Em 26 de janeiro de 1654, assinam a rendição, pondo fim à sua aventura no Brasil e ao sonho do Pernambuco holandês.

A rendição representou o início do declínio do poderio comercial e militar flamengo, iniciado em 1619, com a fundação de Batávia na Indonésia. Foi também uma das maiores derrotas militares na história do exército da Holanda, que perdeu 1.044 soldados nos Guararapes, deixando ainda um saldo de 500 feridos. Em contra-partida, os luso-brasileiros perderam somente 47 homens, num saldo final onde se somavam ainda 200 feridos. Morreram do lado invasor os generais Van der Brinken, Giesseling e outros 101 oficiais graduados. Do outro lado, apenas a baixa de Henrique Dias, que chefiava os soldados negros. Os holandeses não contavam com um conceito militarmente estratégico e que, em época contemporânea, po rexemplo, foi o responsável pela derrota dos EUA na guerra do Vietnam; o profundo conhecimento da terra e do terreno das operações bélicas, algo que os indígenas e mestiços aliados aos portugueses, conheciam como ninguém. A vitória nos Guararapes não foi da Coroa e sim dessa gente que, induzida pela ganância e desonestidade dos senhores de engenho, deixaram com que conquistassem seus corações e mentes. 

É em meio a esses acontecimentos, guerras, batalhas sangrentas, escaramuças, conquistas e perdas que tem início a HISTÓRIA MONETÁRIA DO BRASIL, propriamente dita. Nas cunhagens obsidionais dos holandeses (Florins e Soldos), pela primeira vez surge o nome Brasil estampado em uma moeda.

Após a cunhagem holandesa, passaram-se quase 50 anos até que, em 1695, a Casa da Moeda da Bahia, a primeira delas, cunhou os primeiros exemplares genuinamente brasileiros.  

O nome BRASIL é novamente gravado em ouro; agora, porém, pelos auto-proclamados donos da terra.





Resumo dos fatos narrados anteriormente:

1. Em 1640 Portugal restaurou sua independência. Nascia, com D. João IV, a dinastia de Bragança. Era o fim do domínio espanhol. Entretanto, arruinado financeiramente, Portugal não tinha condições de expulsar os holandeses do Brasil. Daí o governo português ver-se obrigado a assinar um acordo de paz com a Holanda. O acordo estabelecia que os holandeses não podiam ampliar seus domínios sobre posses portuguesas. Essa determinação não foi plenamente obedecida pelos holandeses que, contrariando o disposto, conquistaram em 1641 áreas da África portuguesa e anexaram o Maranhão. 

2. Com o passar do tempo, o relacionamento amistoso entre a aristocracia latifundiária e a Companhia das Índias Ocidentais começou a se deteriorar. Os atritos eram constantes e por várias razões. A válvula que impulsionou a vinda dos holandeses para o Brasil foram os interesses mercantilistas em relação ao açúcar. 
    
3. Os dirigentes da GWC e seus acionistas emprestaram capital aos senhores para a recuperação da produção açucareira. Esses empréstimos geraram dívidas e obrigações difíceis de serem cumpridas pela elite açucareira. 
    
4. Entre 1640 e 1644, uma série de contratempos naturais como inundações, secas, incêndios e epidemias, além da crescente alta dos juros, impossibilitou os senhores dos engenhos de cumprir seus compromissos com os credores holandeses. A dívida aumentava. 
    
5. A GWC também passava por problemas financeiros devido às guerras européias nas quais a Holanda estava envolvida. Procuraram então explorar ao máximo seus domínios no Nordeste: aumentaram o preço do transporte e os impostos sobre o açúcar. Além disso passaram a exigir o pagamento das dívidas, ameaçando os senhores com o confisco dos engenhos caso não as quitassem no prazo estipulado. 
    
6. Nassau aconselhou os donos da GWC a mudar sua conduta em relação aos senhores de engenho. Os donos da Companhia, entretanto, não lhe deram ouvidos e ainda o acusaram de pretender criar no Brasil um império particular. 
    
7. As tensões se avolumaram, principalmente depois que os calvinistas holandeses esqueceram-se do compromisso assumido anos antes de assegurar a liberdade de culto religioso. 

8. Já em 1642 explodiu no Maranhão o primeiro movimento organizado de reação aos holandeses. A luta dos senhores de engenho do Maranhão, apoiados pelos da Capitania do Pará, foi sufocada. Contudo a idéia de expulsar os flamengos ganhou vulto e se espalhou em Pernambuco. Nassau, em desacordo com a GWC, foi demitido e voltou à Holanda em 1644. 
    
9. No ano seguinte explodiu a Insurreição Pernambucana, que só acabaria em 1654 com a expulsão dos holandeses. O movimento armado congregou em sua liderança elementos dos três grupos étnicos existentes no Brasil: os brancos André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, o negro Henrique Dias e o índio Poty. 

10. Apesar de algumas significativas vitórias como a da Batalha do Monte das Tabocas e as duas batalhas dos Guararapes, as forças rebeldes não conseguiram desalojar os holandeses do Recife. Isso deveu-se também à pálida ajuda militar portuguesa aos brasileiros por causa do acordo de paz que Portugal havia assinado com a Holanda e à incapacidade portuguesa de enfrentar militarmente os exércitos holandeses. 

11. Depois dessas vitórias iniciais, a guerra tornou-se morosa. De um lado, as forças rebeldes impossibilitadas de entrar no Recife; do outro, os holandeses dominando o mar, dificultando a chegada de reforços para os luso-brasileiros e sendo facilmente abastecidos por seus companheiros. Porém a explosão de uma guerra entre Holanda e Inglaterra, em disputa pela liderança marítima, criou as condições para a vitória final da insurreição. 

12. O desgaste financeiro da Holanda, provocado pelo confronto militar com os ingleses, e a ajuda da Inglaterra aos rebeldes pernambucanos, foram fundamentais para a rendição holandesa em 1654.


Conseqüências da expulsão

I. O Brasil estava livre, porém a Holanda continuava mantendo suas pretensões de domínio sobre a colônia e sobre as regiões africanas conquistadas a Portugal. Esse impasse gerou novo conflito armado entre portugueses e holandeses. Portugal recebeu o imediato apoio da esquadra britânica, o que forçou a abertura de negociações diplomáticas entre Holanda e Portugal o que, finalmente se concluiu com a assinatura da Paz de Haia, em 1661. 
    
II. Pelo Tratado de Paz de Haia, Portugal ficava obrigado a pagar à Holanda uma indenização de quatro milhões de cruzados em dinheiro, açúcar, tabaco e sal, além de restituir aos holandeses toda a artilharia tomada no Brasil. 
    
III. O auxílio inglês a Portugal nas lutas contra os holandeses, e a conseqüente aliança entre as Coroas inglesa e portuguesa, resultaram na dependência da nação lusitana e do Brasil ao capital inglês. Essa dependência, que atravessou séculos, afirmava-se à medida que Portugal era forçado a assinar tratados econômicos com os britânicos. 
    
IV. Para o Brasil, a conseqüência mais séria da expulsão holandesa foi a decadência da empresa açucareira. Os holandeses, após sua expulsão, passaram a plantar cana e produzir açúcar nas Antilhas, valendo-se da experiência que haviam adquirido na cultura canavieira do Brasil. 

V. Senhores absolutos da distribuição do produto nos mercados internacionais e, agora, produtores diretos, os holandeses passaram a dominar, da produção à distribuição do açúcar. A empresa açucareira nordestina, não tendo condições de concorrer com a nova empresa holandesa que produzia um açúcar de melhor qualidade e mais barato, entrou em decadência. Com isso o Brasil conheceu sua primeira grande crise econômica. O episódio acirrou as relações entre a classe senhorial da colônia e as autoridades representativas do Estado metropolitano.



MOEDAS OBSIDIONAIS

As moedas batidas pelos Holandeses em Pernambuco, nos anos de 1645 e 1646 e, posteriormente sob cerco em 1654, foram as primeiras cunhagens efetuadas em território brasileiro com o nome BRASIL. Essas moedas eram batidas em placas "romboidais" de ouro, nos valores XII; VI e III florins e de prata no valor XII soldos com a data de emissão, além da indicação do valor, em florins ou soldos, e das letras GWC, sigla da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais (Geoctroyeerde West-Indische Compangnie).

As remessas de florins, soldos e xelins provenientes da Holanda não eram suficientes para atender as necessidades da administração holandesa no Brasil, durante os anos de ocupação. Assim, para suprir a falta de recursos, o Conselho da Companhia decidiu utilizar o ouro vindo da Guiné destinado à Holanda para cunhar, em 1645, moedas de III, VI e XII florins e no ano seguinte (1646) fez nova emissão com o restante do ouro. 

Estas peças chamadas de “moedas de necessidade”(de emergência ou de necessidade do invasor) foram as primeiras "cunhadas" no Brasil e são muito raras. São destacadas das demais moedas pela sua forma "quadrangular" e pela pouca espessura. 

As moedas de prata de XII soldos de 1654 foram produzidas após a capitulação dos holandeses, com características semelhantes às de ouro, consideradas também como moedas de necessidade, nesse particular caso, do invasor.

Obsidional é o termo que, usado em numismática - em alguns casos pode ser "confundido" com "castrense" - serve para indicar a moeda de emergência cunhada durante um assédio (do latim obsidium). Pode se referir à coroa graminea concedida ao militar romano de alto escalão, como recompensa por haver libertado tropas assediadas, premiando-os com uma coroa de ramos dita "obsidionalis".

Eram, em geral, cunhadas para pagar o soldo às tropas, mas não somente. A característica notável destas moedas é a irregularidade, não só na sua forma, mas também no valor, frequentemente não alinhada com o standard monetário usado na região circunscrita e, muitas vezes, não correspondendo minimamente ao seu valor intrínseco, isto é: o valor estampado, geralmente, supera em muito o conteúdo de metal ou material escolhido, de acordo com o momento.

Eram cunhadas pelos assediados, mas raramente também pelo assediador. Frequentemente, devido à carência de metal, muitas destas moedas foram realizadas em couro ou mesmo em cartão. Para fazer jus ao valor extrínseco, o correspondente intrinseco era, na maior parte das vezes, resgatado prontamente ao término de um conflito bélico.

A primeira menção oficial às moedas obsidionais é documentada a partir do século XVI, sendo muito numerosas a partir de então e até fins do século XIX. As mais antigas moedas obsidionais de que se tem notícia foram batidas na Itália, no início do século XVI, em ocasião do assédio de Pávia e de Cremona, época de Francesco I.

Famosas são as obsidionais do assédio à cidade de Jülich, em 1610. O comandante das tropas assediadas, Johann von Rauschenberg, usou toda prataria disponível para cunhar moedas cujos valores corriam de 1 a 10 Gulden, como as da figura abaixo:


Durante o cerco espanhol à cidade de Leiden, em 1574, a situação se agravou tanto que os holandeses se viram obrigados a fabricar moedas de cartão.

Essa “moeda” foi cunhada, na Holanda, sitiada durante a Guerra da Independência, também conhecida como Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648). O cerco, realizado pelas tropas espanholas sob o comando do sanguinário Duque de Alba e do General Valdéz entre 21 de agosto de 1573 e 3 de outubro de 1574, acabou por esgotar todas as reservas de metal nobre que a cidade dispunha para pagar os soldados mercenários. Praticamente sem saber como dar solução ao problema, a autoridade monetária da cidade optou pela cunhagem de moedas em papel.. Essas moedas seriam trocadas pelo valor em prata após o término do cerco, caso ocorresse a vitória pelos holandeses. 

Assim ocorreu, quando em 3 de outubro de 1574, a cidade foi libertada. Essa vitória foi extremamente importante, pois a Espanha não dispunha mais de recursos para pagar os soldados a fim de que permanecessem nos Países Baixos. Isso permitiu que as Províncias se rebelassem ao mesmo tempo, o que alguns anos após, levou à criação da União de Utrecht em 1579, o berço da atual nação holandesa.

Acima, duas cunhagens que representam dois momentos diversos durante o cerco à Leiden. Á esquerda, Stuiver de prata, datado 1574. Á direita, finda a reserva de prata, os holandeses, em situação de extrema emergência, passaram a cunhar moedas de cartão para pagamento das tropas e posterior resgate do equivalente em metal. Clique na imagem, para ampliar.

O papel usado para a cunhagem das moedas veio de antigos livros litúrgicos e de cânticos religiosos medievais retirados das igrejas da cidade. Como recompensa à heróica defesa da cidade, Willem van Oranje, no ano seguinte, concedeu-lhes uma Carta, a partir do qual foi fundada a Universidade de Leiden . Para alguns estudiosos, esse pode ser considerado o primeiro papel-moeda emitido no ocidente, antes mesmo das cédulas suecas do século XVII. 


Na figura acima, moeda cunhada por Charles I da inglaterra durante a revolução de 1645/1646, por ocasião do cerco a Newark e Carlisle.


Nota: Corona Obsidionalis (latim) - A coroa obsidional, também chamada coroa de grama (corona graminea), era usada pelos antigos romanos como honra concedida na república e também durante o império. Representava o símbolo máximo de valor militar concedida ao comandante bem sucedido na defesa de um exército assediado, salvando-o da derrota. Era confeccionada com um punhado de ervas e flores entrelaçadas, colhidas no próprio campo de batalha. Em seus relatos, Plínio o Velho, nos fornece uma lista de nomes agraciados com a honra da coroa obsidional.




AS EMISSÕES DE 1645 - DOCUMENTAÇÃO

Segundo as pesquisas do historiador pernambucano Gonçalves de Mello, a primeira vez que se faz menção à necessidade de cunhar moeda no Brasil é encontrada num documento emitido pelo Alto Conselho da GWC, em 1645. A seguir, um trecho desse documento: 

“...Devido à escassez de numerário em que nos achamos, e por nada podermos obter ali das dívidas existentes, por mais que nos esforcemos nesse sentido; e sendo diariamente necessário dispor de dinheiro tanto para pagamento da milícia e salário dos contratadores de serviços, quanto das obras necessárias, víveres e outras cousas mais, que não podemos escusar, resolvemos retirar da caixa de ouro chegada da Costa da Guiné no navio Zelândia, a quantia de 360 marcos, de cada nona parte de 40 marcos, para com eles cunhar dinheiro ou vendê-lo, e sendo possível, restituí-los no futuro...”

Esse ouro era proveniente das terras tomadas aos portugueses em 1637 (hoje Ghana), quando da conquista do Forte de São Jorge da Mina (primeira fortaleza européia em solo africano). De lá havia zarpado o Zelandia, com escala em Recife, levando em seus porões aproximadamente 308 Kg de ouro puro da Guiné.

Em agosto de 1645, finalmente decide o Alto Conselho: 

“Como não temos meios de obter mais algum dinheiro da população, quer do que é devido à Companhia, quer de outra maneira, e, por outro lado, dos 360 marcos de ouro da caixa recentemente chegada, o qual aqui conservamos para uma emergência nas atuais dificuldades, parte já vendemos e parte ainda não encontramos comprador para ele, para obter algum dinheiro; e como este não pode se conseguir senão fazendo cunhar moedas, embora para isto não estejamos autorizados, obrigados por grande necessidade, foi resolvido mandar cunhar moedas de ouro, quadradas, de 3, 6 e 12 florins, tendo em uma face o emblema da Companhia e na outra a data do ano; e curso superior ao de venda em 25%. Ao Sr Bas (Pieter Jansen Bas), nosso colega, que entende do assunto, foi solicitado quisesse fiscalizar a cunhagem, o que o mesmo prometeu fazer, com a condição que lhe fossem dados poderes expressos para isso.”

Pieter Jansen Bas, membro do Alto Conselho, tinha sido ourives no Harlen. A cunhagem começou sem mais demoras. Em setembro, seguiram para o Conselho dos XIX na Holanda, um exemplar de cada moeda emitida (III, VI e XII florins de ouro). Haviam sido cunhadas (batidas) entre os meses de agosto e setembro de 1645. Numa ata de reunião do Alto Conselho, nesse ano, lia-se o seguinte: 

“Há alguns dias que os senhores do Supremo Conselho assentaram de fazer uma nova moeda, e já se cunhou uma grande soma em ouro de 3, 6 e 12 florins, o que vem muitíssimo a propósito para contentar os militares e outras pessoas. Diz-se também que serão cunhadas moedas de prata, o tempo mostrará”.

Em 10 de outubro foi baixada a instrução através da qual era nomeado o sr. Pieter Bas como fiscal da moeda no Brasil, e responsável pela cunhagem do referido dinheiro emergencial. Num determinado documento, encontrado pelo prof. Gonçalves de Mello nos arquivos da antiga GWC, Bas escreveu: 

“Em primeiro lugar, como fiscal da moeda da parte da Companhia das Índias Ocidentais e por ordem dos nobres senhores do Alto e Secreto Conselho no Brasil, deverá mandar cunhar uma moeda de ouro quadrada, tendo de um lado o emblema comum da Companhia das Índias Ocidentais e do outro lado em letras a palavra BRASIL e o ano de 1645. Esta moeda será denominada de ducado brasileiro e terá três valores, dos quais o valor maior terá 32 peças por marco de peso troy, com tolerância de 1 e 1/2 engels e será recebido pelo valor de 12 florins, de 40 grossos flamengos o florin, tanto pela Companhia quanto por quem quer que seja, mas somente no Brasil. O segundo valor do mesmo ducado terá, por marco de peso troy, 64 peças, com tolerância de 2 engels de peso troy, e terá curso de 6 florins, de 40 grossos flamengos o florim.
O terceiro tipo do supracitado ducado terá 128 peças por marco de peso troy, com tolerância de 2 e 1/2 engels troy e terá curso e valor de 3 florins, de 40 grossos flamengos o florim. O mencionado ducado brasileiro será feito com ouro da Guiné, das Índias Ocidentais ou de qualquer outra procedência, devendo ser aceito como se apresentar, já que nesse país nenhuma ferramenta, materiais e outras cousas necessárias aos ensaios podem ser obtidas, de modo que o ouro tal como é lançado no cadinho será transformado em lâminas e deverá ser cortado e cunhado sem quaisquer outras considerações”

Os textos deixam claro que a moeda cunhada no Brasil, pelos holandeses, era de caráter emergencial, cujo objetivo principal era aquele de atender às necessidades financeiras básicas, mas não somente. A maioria das tropas era composta de soldados mercenários, que deveriam ser pagos com urgência a fim de evitar motins e deserções. Além destes, encontravam-se os funcionários a serviço da GWC, que há tempos também não recebiam seu pagamento. Outro relevante detalhe, que se pode observar na leitura do texto, é a grande dificuldade de produzir uma cunhagem no Brasil, devido a falta de instrumentação adequada, além do difícil procsso de purificar e trabalhar devidamente o ouro. Tudo somado, entende-se porque Bas escreveu que “a moeda deve ser aceita como se encontrar”.

Outro detalhe interessante é que, embora a moeda obsidional tenha recebido a denominação de Florin, os holandeses em seus documentos a tratam por Ducado, sendo esta última a denominação mais correta. 

Segundo o numismata Gastão Dessart, os pesos das obsidionais, de acordo com as medidas usadas na Holanda de então, seria o seguinte:

III Florins - De 1,90 a 1,93 gramas
VI Florins - De 3,79 a 3,86 gramas
XII Florins - 7,57 a 7,72 gramas

Nota-se que, devido a impossibilidade de precisão, e pelas condições difíceis do fabrico das peças, havia uma margem de tolerância em relação aos pesos dessas novas moedas.

Embora as  moedas batidas em 1645 dessem um grande alívio nas carregadas finanças dos invasores, estas logo se acabaram, sumindo dos cofres da Companhia, visto que também eram usadas para pagar os indígenas aliados, imprescindíveis no auxílio geral e nos combates.

O ourives Bas, segundo os documentos da Companhia, não prestou contas de quantas moedas teria batido naquele ano. Não chegaram aos nossos dias dados exatos de quantas peças foram cunhadas em 1645. Sabemos contudo que as moedas tinham larga aceitação. Devido ao seu valor intrínseco circulavam pela quantidade de metal que continham. A população não via qualquer problema em recebê-las, até que a coroa passou a advertir quem as recebesse de estar incorrendo am crime de alta traição, passível de pena capital.



AS EMISSÕES DE 1646

Nesse ano, a situação dos holandeses não estava muito diferente daquela do ano anterior. Além da escassez de viveres, a GWC não enviava recursos regularmente. Naquele ano, fizeram escala em Recife os navios Eendracht de Amsterdam e o Eendracht de Enkhuisen. Na caixa forte daqueles navios que se dirigiam de volta à Holanda, um carregamento de aproximadamente 395 Kg de ouro (1604 marcos), provenientes - tal como o ouro obtido no ano anterior no navio Zelândia - da Costa da Guiné.
E assim, da mesma forma que tinham feito na primeira cunhagem de 1645, retiraram dos cofres desses navios a quatidade de 405 marcos de ouro, que seria vendido e/ou amoedado. Em 16 de agosto daquele ano, o Alto Conselho em Recife escreve em suas notas: 

“Não tivemos outra solução senão recorrer ao ouro da Guiné e dele retirar, para subsidio de caixa, 405 marcos, dos quais vendemos em leilão 25 a 39 florins a onça e 25 a 40 florins e o restante guardamos com intenção de fazê-lo cunhar.”

Dessa cunhagem, ao contrário do que ocorreu com a anterior, o ourives prestou contas detalhadas. Os documentos da época indicam que o tesoureiro Bas recebeu do conselheiro Alrichs um total de 355 marcos para por em moedas. Em 27 de agosto começaram os trabalhos de cunhagem. Os documentos referentes ao processo, levantados pelo prof. Gonçalves de Mello, são muito interessantes. Descrevem em pormenores os processos de amoedação o que, nas condições em que se encontravam os holandeses naquele momento, não eram nada fáceis. Principalmente devido à carencia de bons instrumentos e da pouca capacidade dos cadinhos usados para fundir o metal. 

“Colocado o cadinho no fogão com 20 marcos de ouro da Guiné, ao ser fundido, o cadinho rachou desde o fundo até acima junto à borda, pelo que nenhuma onça de ouro dele restou, e através da grelha, foi cair nas cinzas; sendo recuperado e purificado, foi colocado em um novo cadinho, diante do fole, com 10 marcos de ouro, o quel também rachou, pelo que obtivemos apenas 6 marcos em lâminas em condições de de serem utilizadas, o restante estando nas cinzas. Novamente recuperado e fundido diante do fole, esse cadinho forneceu de boa qualidade, cerca de 12 marcos em lâminas, o restante retiramos das cinzas. Este resto colocamos de novo no fogão, junto com mais ouro da Guiné, em um cadinho, pesando ao todo 32 marcos e, ao ser fundido, rachou o cadinho desde a borda até a metade do fundo, mas conseguimos obter a metade do ouro em lâminas.
Assim, nestas quatro fundições despendemos penosamente o dia e obtivemos 39 e 1/2 marcos em lâminas, os restantes 50 marcos recolhemos das cinza. Os esforços e perdas que essas operações originaram bem podem ser compreendidas pelos que conhecem este serviço”

Do texto acima pode-se imaginar o penoso trabalho de cunhagem dessas moedas de emergência. Os cadinhos rachavam devido ao calor, pois eram inadequados para esse tipo de fundição (eram improvisados). Parte do ouro acabava terminava junto às cinzas por causa das rachaduras, tendo que ser recuperado por um processo de nova purificação, para depois voltar a ser posto num cadinho novo (que também poderia rachar). Se tudo desse certo, o ouro fundido era laminado, para finalmente ser cortado e batido.

E continuam os relatos desse difícil trabalho: 

“Em 4 de setembro foram colocados no fogão 30 marcos de ouro da Guiné e, sendo fundido, esvaziamos a metade em lâminas e ao restante ajuntamos 9 marcos de granalha do trabalho anterior e, fundido, foi sem acidentes derramado em lâminas. Esta granalha deu a perda de....”
Continua: “Duas onças cheias de toda a espécie de impurezas tendo sido misturadas, o cadinho apresentosu uma rachadura na altura da borda, na extensão de u’a mão, mas não causou dano e daqueles 30 marcos de ouro houve perda de...”


Ainda mais: “Colocado no fogão em um cadinho novo 30 marcos de ouro da Guiné e fundido, surgiu uma rachadura ao meio do fundo, pelo que só conseguimos 8 marcos em lâminas, o restante recolhemo-lo das cinzas e, sendo purificado e a granalha novamente fundida, obtivemos em ouro puro em lâminas 28 marcos e 7 onças e ouve perda de...”

Os relatórios desse ano dão conta também dos instrumentos que eram utilizados nesse processo. Constam de um registro minucioso, com nome das peças e quantidade, entregues ao ourives responsável e aos demais membros da equipe. Esses instrumentos eram em sua maioria já usados, estavam gastos e muitos eram remendados. A listagem incluía colheres, martelos, punções e tesouras. O mais interessante é a menção feita a 12 cunhos restaurados e dois cunhos novos. Os cunhos restaurados poderiam ser os usados em 1645, que estariam sendo emendados para a nova data de 1646. Sabe-se que em 1646 foram abertos outros cunhos novos por Jan Bruynsvelt (provavelmente o gravador das primeiras moedas do Brasil). Na conta por ele apresentada, para ser saldada pelo Alto Conselho, consta um pagamento de 5 florins e 12 stuivers por ter aberto um par de cunhos.

O ourives ainda apresentou várias outras contas a serem saldadas:

  • 3 contas por abrir um par de cunhos
  • 1 conta por um cunho de baixo de III florins
  • 1 conta por abrir um cunho de baixo e outro de cima
  • 1 conta por dois cunhos de VI florins
  • 1 conta por um cunho de cima de 12 florins
  • 1 conta por dois cunhos de III florins
  • 1 conta por dois cunhos de XII florins
  • 1 conta por abrir dois cunhos para XXIV florins 


Nota: Pela documentação encontrada, deduz-se que foram abertos pelo menos dois cunhos completos para as peças de 3 florins e mais um cunho de baixo. Das moedas de 6 florins, pelo menos 2 cunhos completos. Daquelas de 12 florins dois cunhos completos, e também dois cunhos de cima.

Segundo Gastão Dessart, na descrição dessas peças, os primeiros cunhos tinham um pequeno losango logo após a palavra BRASIL. Em seguida, esse losango teria sido reduzido a um ponto, para finalmente ser suprimido.

As despesas de cunhagem, segundo o pesquisador Gonçalves de Mello, incluíam ainda gastos com cadinhos, que teriam sido mais de 50, dado a sua fragilidade; martelos, ferros de cortar, tesouras, bórax, tártaro, e um fole novo, bem como carvão para o fogão e velas para trabalhos noturnos. 
Chama a atenção também a referência ao cunho do XXIV florins, uma moeda até hoje desconhecida dos colecionadores. Nunca apareceu nenhum exemplar, e nem mesmo se sabe se chegaram a ser cunhados.

O fiscal da moeda, Pieter Jansen Bas, recebeu os 355 marcos de ouro, e depois mais 2 onças e 4 engels. O total a ser amoedado em 1646 foi então de 87 Kg e 427 gramas. O número exato de moedas cunhadas não consta nos documentos encontrados pelo Prof. Gonçalves de Mello, mas o pesquisador holandês Van Loon, no século XVIII, em sua obra intitulada História Metálica dos Países Baixos, alegou que a cunhagem dos três valores teria chegado a 700 dúzias, ou seja: 8.400 moedas. Entretanto, esse numero é questionado pelos estudiosos do assunto, pois segundo os documentos da GWC, a quantidade de ouro que foi destinada a essa cunhagem daria para cunhar muito mais, considerados os pesos das moedas. Admitindo-se que os três valores teriam sido cunhados em quantidades iguais (uma hipótese), tendo em consideração a quantidade de ouro que foi destinada à amoedação, teriam sido cunhadas aproximadamente 18.000 moedas, divididas entre os 3 valores, desprezando-se a desconhecida XXIV florins, que nunca foi encontrada.

O conselheiro Bas, fiscal da moeda, teve desentendimentos com o Conselho dos XIX na Holanda, que julgou ser muito elevada a soma da qual tinha se apropriado para o pagamento de seus serviços.  No ano de 1647, Bas parte para a Holanda, para nunca mais retornar ao Brasil.


A IMPROVÁVEL CUNHAGEM DE 1647

Surgiu num leilão no Rio de Janeiro, em 1941, um XII florins com data 1647, em leilão da firma Santos Leitão, que o avaliava em 10 contos de réis. Dizia-se, à época, que a peça teria pertencido ao acervo da coleção Guinle.

Embora as dificuldades dos holandeses continuasse nos anos sucessivos, os documentos da época não confirmam emissão com essa data. A situação financeira naquele ano não era diferente da que se encontravam em 1646. As cartas remetidas ao Conselho dos XIX indicam que havia necessidade de que o restante do ouro da Guiné ficasse em Recife, visto a situação de penúria em que se encontrava a administração, privada totalmente de rendas. Os ataques constantes, a inquietação e as escaramuças do inimigo os impediam de arrecadar dinheiro. 

Nas atas de 1647, constam retiradas de ouro da Guiné para a venda; mas não há referência nenhuma à cunhagem ou amoedação. Até mesmo porquê, o antigo encarregado da cunhagem, Sr. Pieter Jansen Bas, já havia partido para a Holanda, embora tenha permanecido no Brasil, até a capitulação final em 1654, o ourives Hendrich Bruynsvelt.

As pesquisas dos documentos da GWC corroboram com os estudos de Kurt Prober sobre a tal emissão de 1647 que teria aparecido como peça única. Segundo os apontamentos de Prober, a moeda é falsa. O mesmo perito que a julgou, num primeiro momento, como peça autêntica, reconheceu seu erro em, concluindo que teria cometido um equívoco; 

“...a peça, quando se punha ao sol, mudava de cor, e ficava as vezes cinzenta, roxa ou vermelha.”...declarou.

Pela comprovação de sua falsidade, a moeda já não teria sido exposta no 1º Congresso de Numismática do Brasil, realizado em São Paulo em 1936.
Assim, conclui-se que não existe registro de cunhagem de 1647, podendo-se dizer, com grande margem de segurança, que nunca aconteceu.


A EMISSÃO EM PRATA DE 1654

Corresponde à data da capitulação das tropas holandesas no Brasil. Trata-se de uma cunhagem emergencial, feita para a compra de víveres e, principalmente, para pagar os soldados e mercenários que começavam a se revoltar, mais uma vez, pela falta de pagamentos.

O que deveria ter acontecido

No dia exato da capitulação das tropas no Recife, em 26 de janeiro de 1654, a ata de reunião do Alto e Secreto Conselho registrava:

O coletor geral, Jacob Alrichs, tendo exposto que a caixa estava totalmente desprovida de dinheiro, e que nem mesmo as dívidas mais pequenas podiam ser pagas, pôs em deliberação se não poderiam ser cunhadas algumas moedas em prata, com as quais se atendendesse a essa emergência (extremiteit) e mais tarde fossem recolhidas. Para isso, os senhores Schoemborch e Haecxs ofereceram-se para entregar a pouca prata das baixelas de suas casas, no qual não tiveram seguidores. Entretanto, para começar, foram tomadas 23 libras de prata (11 Kg) fornecidas pelo coletor geral, que deveriam ser entregues ao Sr. Henrik Brunsvelt, a fim de que fossem cunhadas moedas quadradas, a saber: 

● Uma moeda de 8 engels (12,30 a 12,35 grms) que valerá 2 florins.
● Uma moeda de 4 engels (6,15 a 6,17 grms) que valerá 1 florim.
● Uma moeda de 2 engels (3,07 a 3,08 grms) que valerá 10 stuivers.


A Caracteristica principal dessas peças é a de que são unifaciais, ou seja; tem cunho apenas de um lado. Trazem o valor sempre em algarismos romanos, juntamente com o monograma da GWC e a data de 1654. 
Ao que tudo indica, de acordo então com a resolução de 26 de janeiro de 1654, teriam autorizado a cunhagem de 3 valores apenas, conforme segue: 

● XXXX stuiver (correspondendo a dois florins)
● XX stuivers (correspondendo a 1 florin)
● X stuiver (correspondendo a ½ florin.

Esse fato é bastante curioso, pois não estaria autorizada então a cunhagem da peça de XXX florins (muito provavelmente falsa), bem como a peça de XII stuivers (ou florins), a única moeda sem sombra de dúvidas considerada por todos como autêntica. Sobre essas duas peças, não há indicação de quanto poderiam valer em florins.


O que de fato aconteceu

Apesar de não ter sido citada, a única moeda considerada autêntica pela maior parte dos estudiosos, é aquela de XII Soldos. 

Nota do editor: Parte do texto, a seguir, foi retirado, e adaptado, do livro Obsidionais, as primeiras Moedas do Brasil, de autoria do numismata estudioso Kurt Prober.

Com os 5 dias de que dispunham na prática, e com a pouca prata à disposição, apenas poderiam ter confeccionado moedas de XII Stuivers de 1654, para pagamento do soldo de aproximadamente 1000 soldados mercenários, aquartelados em Olinda, dando a cada um  o equivalente a uma pataca de 480 réis (24 vinténs). Em valores inflacionados no Brasil, desde 1652 - ano em que na Colônia foram aplicados os carimbos coroados de 240 e 480 - correspondia, a grosso modo, ao valor intrínseco da prata de duas moedas de XII Stuivers (10 gramas de prata com título aproximado de 900 milésimos)
Significa dizer que, das 4500 moedas de XII Stuivers que se poderiam cunhar com os 23 kilos de prata que tinham à disposição, a metade teria servido para o pagamento dos soldados, e o restante para pagamento de pequenas dívidas.
Ocorre que tal fato evidentemente não iria agradar as autoridades luso-brasileiras, pois em nada interessava aos mesmos que os holandeses estivessem se provendo de numerário. Assim, quando tomou ciência do que ocorria, o mestre de campo General Francisco Barreto, mandou suspender imediatamente todos os trabalhos de cunhagem, conforme consta da ata da reunião do conselho no dia 31 de janeiro de 1654:
“Foi presente um requerimento do mestre de campo General Francisco Barreto de Menezes, o qual, tendo sido informado de que o Alto e Secreto Conselho, antes da entrega da cidade, fora forçado a mandar cunhar algum dinheiro de prata, solicitava que fosse suspenso esse trabalho, tendo-se expedido ordens nesse sentido.”
Assim, a cunhagem só durou 6 dias, de 26 de janeiro até 31 do mesmo mês, quando foi sustada, isso se considerarmos que houve trabalhos no dia 26 e no dia 31. Considerando o curtíssimo espaço de tempo, a escassez de metal e as condições precárias, podemos entender bem a enorme raridade dessas moedas emergenciais hoje em dia.

Além disso, provavelmente, os holandeses, e mercenários de outros povos, que retornaram às suas terras, ao desembarcarem, as resgataram. Existe a hipótese de que o comando holandês havia prometido que tais moedas poderiam ser resgatadas pelo seu peso equivalente em ouro, apenas desembarcassem na Holanda. Mas é só uma hipótese, baseada no fato de que não dispunham mais do nobre metal e que a quantidade de prata fosse pouca para pagar o justo valor a todos os soldados.

As restantes, em mãos dos que permaneceram na Colônia, foram provavelmente derretidas. Muitos  devem ter gasto as suas com bebidas e mulheres fazendo com que estas raridades, invariavelmente, fossem cair nas mãos de ourives que as derretiam.

Alguns sustentam a hipótese de que grande parte destas moedas (X, XX e XXXX Stuivers que costumam aparecer no mercado),  teriam “desembarcado” na Holanda e, por esse motivo, existem pouquíssimas. O problema é que VAN LOON (numismata holandês, estudioso do assunto), não conseguiu encontrar em seu país, à exceção do XII Stuivers, nenhum destes alardeados exemplares.

Além disso, para quem já as teve em mãos, é fácil constatar que as peças em questão são de cunhagem diferente do XII Stuivers, a única considerada autêntica.

1. O X do valor XII é completamente diferente dos outros valores.
2. O 6 da data 1654, que sempre foi arredondado (incuindo os Florins), nas outras aparece longo e fino.
3. As duas pernas do centro da letra W de GWC, que sempre abertas, nas outras aparece fechado.
4. O talho de gravura do monograma do XII Stuivers é totalmente diferente dos outros exemplares.

O mais curioso é que as peças consideradas verdadeiras são conhecidas de longa data (desde os tempos em que os holandeses estiveram na Colônia). As outras, porém, só surgiram a partir de 1860, exatamente 216 anos após 1654.



A MOEDA DE XII SOLDOS

Estranhamente, a única moeda de prata, cunhada pelos holandeses e única considerara autênntica pela maioria dos numismatas, não tinha cunhagem prevista em ata. Na verdade, é a única moeda obsidional de que se tem referência confiável desde o século XVIII.

Segundo alguns numismatas, ela teria seu padrão definido, tal como todas as outras, em stuivers, ou seja: Seria mais uma divisionária do Florin (que era dividido em 20 stuivers).

Ocorre que o tamanho e o peso destoam totalmente do que seria de se esperar de uma moeda de prata que valesse 12 stuivers dentro daquele sistema adotado no Brasil. Este é um dos principais motivos que levaram muitos numismatas e estudiosos a defendem a tese de que o XII Stuivers seria, na verdade uma cunhagem emergencial de XII florins. Naquele momento que antecedia a rendição, com o fim das reservas de ouro, a Companhia dispunha somente da mencionada prata das baixelas  para fabricar moeda confiável, e assim, com elevada taxa de probabilidade, teria sido feito. Dessa forma, a proposta seria aquela de apresentar a moeda na Holanda e resgatar o equivalente a XII florins em ouro, tanto quanto valiam as emergenciais anteriores desse metal (emissões 1645/46 dos florins), cunhadas com esse valor. É, sem dúvida alguma, uma tese razoável, sendo uma real possibilidade.

O Numismata e estudioso holandês Van Loon andou em busca das moedas obsidionais brasileiras e suas referências na Holanda, no século XVIII. Achou tão somente dois exemplares das moedas de XII stuivers/florins de 1654. Das outras moedas (X, XX e XXXX stuivers) ele nada teria encontrado).


Van loon desenhou cuidadosamente a peça na sua obra Beschryving der Nederlandsche Historipenningen, publicada em 1726, conforme ilustração ao lado, errando apenas a perolagem. No desenho existem 64 pérolas, e não as 49 constatadas nos exemplares autênticos.

Exemplares autênticos delas só se conhecem 5 atualmente, são raros, todos têm exatamente o mesmo cunho, peso muito aproximado, numa média de 5,00 gramas, sendo todas unifaciais.

Abaixo, as ampliações de dois exemplares conhecidos. Se observarmos às 3 horas, veremos que ambas têm a mesma falha na perolágem, o que comprova que todas foram batidas com apenas um único cunho:




E QUANTO AOS OUTROS VALORES?

O Alto e Secreto Conselho realmente autorizou a emissão de 3 valores em prata: X, XX e XXXX stuivers. Além desses, alguns defendem que existiria, além desses, o valor de XXX stuivers. 
O problema dessas emissões - figuram na mairo parte dos catálogos (brasileiros e estrangeiros) - éa ausência de um único registro confiável de rastreamento de qualquer um desses exemplares que seja anterior a meados do século XIX. Não há registro de achado de nenhum desses valores, em coleções do século XVII ou XVIII, tal como ocorre com as peças de ouro, onde existem diversos exemplares rastreados e registrados desde o século XVII, na coleção real de Frederick III da Dinamarca. 
Não há sequer o registro de um achado arqueológico mencionando qualquer um desses valores; nenhum achado, seja em fortes, construções antigas ou qualquer outro lugar. 

Van Loon, em suas buscas feitas no séc. XVIII na Holanda e Europa não achou nada em prata além da moeda de XII Florins, sobre as outras, nada disse, nem teve sequer uma referência.

É como se as moedas de X, XX e XXXX stuivers tivessem sumido, e voltado a reaparecer tão somente nas coleções e leilões europeus e brasileiros no séc. XIX. 
Segundo Kurt Prober, em sua obra “Obsidionais, as primeiras moedas brasileiras”, isso se deve ao simples fato de que todas seriam falsificações surgidas depois de 1860, o que faria sentido.

Em seu livro, Kurt Prober publicou decalques de peòas conhecidas, nesses valores, onde afirmou tratar-se de falsificações que apareceram depois de 1860.

São xatamente as três moedas que figuram no catálogo de Prosper Mailet Moedas Obsidionais de Emergência, publicado em 1870, em Bruxelas. Até então não havia qualquer menção a esses valores. É necessário esclarecer que, depois de tantos anos sem aparecer um exemplar sequer, surgem os 3 valores num leilão de credibilidade, fato qu econtribuiu para, de certa forma, “autenticá-las”.

De acordo com as pesquisas de Prober, as referências mais antigas que se encontram sobre essas peças são de 1862, constantes do catálogo Minnicks Van Cleef de vendas da firma G. Theod.  Também aparecem no catálogo Callenfels, anterior a 1870. 

Foi a partir de então que essas moedas pssaram a constar de catálogos, ganhando notoriedade. Foram adquiridas por numismatas brasileiros famosos, como Guinle e Meili, e acabaram também em museuns, como a do acervo do Museu Histórico Nacional. De certa forma, pouco a pouco, teriam sendo “autenticadas”, adquirindo “pedigree” e valorizando cada vez mais graças, principalmente a procedência ... “ex-Guinle”, “ex-Meili”, etc.

Prober chamou a atenção para o fato de que essas peças diferiam do estilo da moeda de XII florins indiscutivelmente autêntica. 
Embora Prober não tenha chamado atenção a um fato, ele salta aos olhos de quem analisa suas pranchas; o excesso de cunhos diferentes para essas moedas tidas como autênticas.

Se observarmos atentamente os decalques no livro de Prober, será fácil constatar que existem:

1. Quatro cunhos diferentes para a peça de X Stuivers.
2. Dois cunhos diferentes para a peça de XX Stuivers.
3. Sete (7, valor notável) cunhos diferentes para a peça de XXXX Stuivers.

Os holandeses só tiveram 5 (máximo 6) dias para cunhar as moedas (laminação, pesagem, levantamento de materiais, abertura de cunhos, etc). Então como explicar/justificar a existência de tantos cunhos diferentes e com estilos diversos?

Enquanto isso a moeda indiscutívelmente autêntica, o XII Stuivers, apresenta um único cunho. Todos os exemplares localizados até hoje são rigorosamente iguais, apontando sempre para uma mesma e única matriz.

Os holandeses tinham a sua disposição 11 quilos de prata para que fossem batidas essas moedas. Ocorre que o tempo foi muito curto, e com quase toda certeza não tiveram o tempo necessário para transformar todo metal em moeda , optando por um único valor, o de XII Stuivers, único reconhecidamente autêntico e, provavelmente, única a ser batida em 1654.
Os outros valores, apesar de autorizados, talvez nunca tenham sido fabricados, assim como a moeda de XXIV florins de ouro  da qual se achou um documento de abertura de cunho, mas que nunca foi encontrado um exemplar.

A quantidade que chegou a ser fabricada e utilizada no pagamento das tropas, provavelmente foi resgatada em Amsterdam por moeda holandesa, em volume equivalente a XII Florins de ouro, tendo sido as emergenciais então destruídas para que não fossem apresentadas novamente. Se algum outro valor foi cunhado, deve ter sido também destruído nessa ocasião. As raras peças que porventura tenham permanecido no Brasil, certamente tiveram o fim da maioria, nos cadinhos de ourives, servindo o metal à produção de adornos de santos nas igrejas, o que era comum na época.

É um mistério que talvez jamais seja desvendado. A resposta a que realmente aconteceu a esses outros exemplares, ou se realmente existiram, ao que tudo indica, irá permanecer no passado. O indiscutível, porém, são a extrema raridade da de XII florins de 1654 e a sua autenticidade comprovada. Até provas concretas, tudo peramnece no campo da especulação e risco de quem adquire essas peças. Seja como for, são estes momentos que tanto valorizam a numismática, afirmando-a como cinência e parte integrante da nossa história.


A nossa conclusão:

Ao que tudo indica, em decorrência da falta de ouro e por possuírem pouca prata à disposição, tenham abandonado o projeto para os Soldos (Stuivers), preferindo cunhar “Florins em prata”, com a promessa dada aos soldados de que esses poderiam resgatar o valor em ouro, correspondente a XII Florins desse metal, quando desembarcassem na Holanda. Acreditamos que essa particular emissão, na verdade, se configurasse como uma espécie de “moeda fiduciária”; apenas a garantia do que seria pago posteriormente. A teoria faz sentido, já que com a mesma quantidade de prata poderiam dispor de um maior valor emergencial, cunhando “XII Florins” do que cunhando moedas com seu valor real em prata. Isso facilitava o trabalho da Companhia, ao mesmo tempo que colocava à sua disposição um “budget” superior.



Estudo preliminar de algumas moedas holandesas da Coleção do Museu Histórico Nacional

Um estudo preliminar de algumas moedas holandesas  da  Coleção do Museu Histórico Nacional, foi realizado em 2007 pelo Centre de Recerche et de Restauration des Musées de France,  juntamente com Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT) e pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT).

Foram examinadas as moedas de III, VI e XII Florins de 1645, além de um XXXX soldos de 1654. O estudo, porém, não é conclusivo sobre a autenticidade da cunhagem pelos holandeses. Pode ter sido cunhada durante aquele período, o que não atesta a sua autenticidade. 

É importante esclarecer que não existe qualquer documentação, nos arquivos da GWC que atestem a efetiva cunhagem de moedas de X, XX, XXIV, XXX ou XXXX soldos. Como já foi dito anteriormente, existe uma ordem nesse sentido. Porém, devido à excassa quantidade de prata, seria inviável realizar tal operação. Provavelmente, de posse de tal documentação, os falsários tenham se antecipado, produzindo peças de cunho grosseiro que, em nada, absolutamente, se assemelham às moedas cunhadas pelos holandeses durante sua permanência na Colônia.


Figura: Foto da análise do XXXX soldos, pertencente à Coleção do Museu Histórico Nacional, constante no referido estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT). O numismata, mesmo aquele iniciante, poderá constatar a significativa diferença entre o cunho exposto acima e aquele da moeda autêntica. O exemplar acima mostra um cunho tosco, grosseiro e que em nada se assemelha ao trabalho dos ouríves holandeses.

Segue parte do texto do estudo, material que nos foi enviado gentilmente pelo Centre de Recerche et de Restauration des Musées de France e que hoje pode ser obtido integralmente na internet:

1. Foram observadas as letras “G” e “C” na região de cruzamento do “W” . As imagens em elétrons retroespalhados obtidas no MEV  nessa região, mostram os efeitos do gume de cunho e o defeito gravação de cunho do topo da letra “C”.

2. Foram também observados os três últimos “X” da legenda “XXXX”, bem como os detalhes do cunho no topo do terceiro “X” desta legenda.

3. Quando a imagem é ampliada, um certo número de inclusões de cor branca surgem na região em torno do terceiro “X”. De modo a explicar estas inclusões, também encontradas em muitas outras zonas da moeda, procedemos a uma análise por intermédio do sistema EDS do MEV.

4. A análise da composição destas inclusões mostra que se trata de finas partículas de Au incluídas na matriz de Ag. Essas inclusões são possivelmente devidas ao fato de as moedas de Au e Ag terem sido fabricadas com elementos de um mesmo equipamento de cunhagem.

5. Foram também observados vários detalhes da data de emissão, onde aparecem claramente defeitos no número "6". Esses defeitos podem ter sido devidos à má qualidade da gravação do cunho.

Curiosamente, o relevo na zona central do bordo desta moeda, observado no MO mostra, ao contrário do que se observa nas moedas de Au, que provavelmente deve ter sido cortado com um instrumento do tipo de tesoura. O corte talvez não tivesse sido efetuado até o final do bordo, tendo o último pedaço sido “arrancado” em vez de completamente cortado.

É necessário esclarecer que o tempo que separa as últimas cunhagens de Florins de ouro, das primeiras dos Soldos de prata é de, pelo menos, 9 anos. As partículas de ouro presentes nos cunhos das moedas de prata, somente servem a atestar que foram batidas na mesma época e não em períodos diversos, com espaçamento de 9 anos. Junte-se a isso as moedas falsas de ouro da “botija de Recife” nos valores de X, XX, XXX, e XXXX florins para concluir o óbvio. 

São visíveis as diferenças. A iniciar pelo W de GWC, a exemplo do X em REX, o W, composto de 2 Vs, tem seus traços direitos duplos, fato observado por qualquer abridor de cunhos. Somente isso já demonstra que o cunho foi aberto por um leigo e não por um profissional que conhecia seu trabalho. Também é notável a diferença entre o 6 do XXXX soldos e o do XII soldos.

A pesquisa faz referência a defeitos que atribui à má qualidade de gravação do cunho (pág. 297 do artigo publicado na Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação, Vol. 1, nr. 6)


Figura: Desenho da moeda de 12 soldos (stuivers) - Van Loon, Beschryving der Nederlandsche Historipenningen. Hague, 1726.


O Numismata e pesquisador holandês Van Loon andou em busca das moeda obsidionais brasileiras e suas referências na Holanda, no século XVIII. Achou tão somente dois exemplares das moedas de XII Stuivers de 1654. Dos outros valores (X, XX e XXXX Stuivers), nada encontrou. Van Loon desenhou cuidadosamente a peça na sua obra Beschryving der Nederlandsche Historipenningen, em 1726, conforme ilustração acima, errando apenas a perolagem. Na gravura de Van Loon contamos 64 pérolas, enquanto os exemplares autênticos contam com apenas 49 pérolas. 

Exemplares autênticos dessas moedas só se conhecem 5 atualmente. São raríssimos, e todos têm exatamente o mesmo cunho, peso muito aproximado, numa média de 5,00 gramas, sendo todas unifaciais.


Concluindo:

1) Os Florins foram cunhados para pagamentos gerais, não apenas dos soldados. Foram cunhados em quantidade, mas restaram poucas, já que devido à proibição de circulação os detentores dessas moedas preferiam derretê-las a arriscarem a prisão. Daí o fato de serem escassas.

2) Os Soldos (Stuivers ou Stubers) foram cunhados em situação de cerco,  estes sim para pagamentos das tropas. A prata utilizada foi de uma baixela. Dos três valores inicialmente autorizados (X; XX e XXXX), ao que tudo indica, nenhum deles foi batido. Apenas o XII Soldos foi batido ou pelo menos o único autêntico que conhecemos até o momento. 

3) Certamente, estas não deveriam ser as únicas moedas holandesas a circular naquele período. Porém, as únicas que podem ser consideradas brasileiras são aquelas cunhadas em solo brasileiro e com o nome Brasil. Não havia um padrão monetário naquela época, e certamente outras moedas estrangeiras corriam paralelamente aos Florins e Soldos (Stubers ou Stuivers).


Os Galeões UTRECHT e NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

Para quem desconhece a história que cerca esses naufrágios, o Nossa Senhora do Rosário foi o galeão português que deu combate às embarcações holandesas Utrecht e Huys Van Nassau. O seu capitão, ao perceber que seria abordado pelos galeões holandeses, resolveu atear fogo em seu paiol. O resultado foi uma grande explosão, que pôs a pique o Utrecht e o Nossa Senhora do Rosário, danificando gravemente o Huys Van Nassau, que acabou sendo capturado pelos portugueses em Itaparica.

O naufrágio dos dois galeões ocorreu em de 28 de setembro de 1648. A fragata a serviço da Companhia Unida da Índias Orientais foi a pique por explosão proposital do Galeão português Nossa Senhora do Rosário. 

Durante anos ali permaneceu, em uma zona de areia de 21m de profundidade, com diversos canhões, lastro e âncoras. Apesar da autorização para exploração da área, dada pela Marinha brasileira a uma firma de mergulhadores, grande parte da carga do Utrecht foi saqueada por pessoal não autorizado que vem mergunhando há anos naquela região. Peças numismáticas de valor inestimável foram encontradas durante as expedições que ali se realizaram.

O leitor deve estar atento aos alardes que alguns tem feito a respeito de achados fantásticos de Florins e Stuivers holandeses. A maior parte dessas peças oferecidas no mercado numismatico, são falsas. O melhor é adquiri-las de comerciantes idôneos e em casas especializadas que promovem leilões periódicos, a exemplo da americana Heritage.


Figura: Imagem de um dos Florins encontrados durante as expedições realizadas, com autorização da Marinha do Brasil, próximo à Ilha de Itaparica, na entrada da Baía de Todos os Santos. 


Valor: XII Florins
Anv: Letra GWC (Geoctroyeerde Westindische Compagnie) e valor XII florins.
Rev: ANNO BRASIL e data 1646.
Metal: ouro
Título: 918 ‰
Peso: 7,68 gr.



Os holandeses sitiados

A permanência holandesa no Brasil, a cada dia se tornava mais insustentável, a ponto das tropas remanescentes da Companhia das Índias Ocidentais praticarem pirataria aos navios que passavam nas costas do nordeste brasileiro. Estavam sitiados, e a condição de penúria se agravava.

Depois da derrota sofrida nos Guararapes, o intruso holandês nada ousava empreender por terra. Apenas em maio, havia feito reconhecimento do forte Altená, e depois do outro lado da barreta, para conseguir algum prisioneiro do qual pudesse ter notícia do que se passava no acampamento contrário. Por mar porém os seus brios se redobravam, agredindo quanto podia, e isso apesar da falta de inteligência entre os membros do Conselho e o vice-almirante Witte Cornelis de With. Com uma esquadra de nove barcos de guerra, além de vários de menor tamanho, o vice-almirante, a partir do mês de maio em diante conseguiu capturar muitas presas. Em princípios de dezembro de 1648, Witte de With foi encontrar-se com alguns navios, pertencentes à esquadra do conde de Castel-Melor, e conseguiu tomar um barco inglês guarnecido por vinte e nove canhões, além de outro menor, e uma galeota identificada por São Bartholomeu. Uma fragata portuguêsa, chamada Nossa Senhora do Rosário, sustentou contra duas inimigas, o galeão Utrecht comandado pelo capitão Jacob Pouwelz Cort e o galeão Gissiling um violento combate, e quando essas julgavam por vencidas a atacara, dando-lhe a abordagem, foram todas as três a pique, em virtude da explosão provocada no paiol do Nossa Senhora do Rosário pelo capitão português, que preferiu ir ao fundo com seus inimigos, a deixar-se aprisionar pelos mesmos. Trecho extraído do livro "História das lutas com os holandeses no Brasil", de Francisco Adolfo Varnhagen.















EMISSÕES PRIVADAS OU OFICIAIS ?

Dando continuidade ao nosso artigo sobre as obsidionais, as primeras moedas do Brasil, passamos aos nossos leitores a terceira e última parte do artigo, contendo a nossa conclusão ao final, demonstrando, à margem de quaisquer dúvidas e/ou especulações, que as obsidionais holandesas, batidas no território do Brasil colonial, durante a ocupação flamenga, são moedas regionais de curso legal, emitidas por Estado soberano, e não moedas particulares de iniciativa exclusivamente privada.

Recentemente foi levantada, em blogs e sites de convívio social, uma discussão sobre se as obsidionais holandesas, batidas no Brasil colonial, seriam moedas particulares (não devendo, portanto, constar dos catálogos de moedas e sim de "fichas, medalhas e emissões particulares") ou se seriam efetivamente moedas de curso legal, emitidas por órgão governamental ou autoridade estabelecida naquela região.

A diferença, apesar de sutil, existe! Para "separar o joio do trigo", concluindo de uma ou de outra forma, os argumentos devem ser dispostos com uma lógica concatenação de idéias, necessárias e suficientes a sustentar, com força de argumentos, uma ou outra teoria. Então, vejamos:

Nas duas primeiras partes do nosso artigo (parte I e parte II), acreditamos que o entendimento do que foram as invasões holandesas e a expulsão dos flamengos do território; do que sejam moedas obsidionais; o que foi a GWC, sua missão e seus objetivos, tenha ficado bem claro. Essa "introdução", de caráter didático-informativo, foi necessária para que o leitor possa agir por empatica, entendendo o contexto da época em que foram batidas estas moedas, numa região do território colonial brasileiro do século XVII.

Contudo, os textos das duas primeiras partes não bastam a exaurir o assunto, dando uma resposta conclusiva á questão: "As obsidionais eram meras emissões particulares de uma companhia privada, não devendo constar da nossa numária" ou "são verdadeiramente moedas, batidas por um Estado soberano, de curso legal e, portanto, consideradas peças importantes e integrantes da nossa numismática" ?

Para tanto, devemos iniciar esclarecendo o conceito universal de moeda e suas nuances:

Por moeda entendemos tudo aquilo que vem utilizado como meio de pagamento ou intermediário de escambo (troca) e que possua, caracteristicamente, as seguintes funções:

1. Medida de valor (moeda como unidade de contagem) - Funciona como denominador comum de valores, permite contabilizar ou exprimir numericamente os ativos e os passivos, os haveres e as dívidas. É o padrão de avaliação de todos os bens e serviços colocados no mercado;

2. Intermediação na compra e venda de bens e serviços - É a moeda como instrumento de pagamento;

3. Reserva de valor (a moeda como reserva de valores) - Pode ser acumulada, para ser usada no futuro. Os indivíduos, seja por motivo de transação comercial, segurança ou especulação, preferem acumular dinheiro, à semelhança dos que o guardavam num cofre ou numa botija, para exercer, no futuro, os direitos que a sua posse lhes permita.

Muitos bens ou símbolos possuem as três características enumeradas acima. todavia, apenas a moeda (dinheiro) possui as três conjuntamente.

Além disso, a fim de exercer seu poder satisfatoriamente em uma economia, a moeda (dinheiro) deve ter as seguintes características adicionais:

  • Ter valor estável
  • Ser de difícil falsificação
  • Ser facilmente repartível e transportável
  • Ter um valor padronizado e que possa ser reproduzido de acordo com a necessidade.


Conclui-se que a função principal da moeda é aquela de servir como instrumento de pagamento. Todas as outras funções são: "ou consequência da principal", "ou condição favorável para que esta se desenvolva plena e satisfatoriamente".

Como muito bem escreveu o prêmio Nobel Samuelson: "A moeda, enquanto moeda e não mercadoria, é desejada não pelo seu valor intrínseco, mas por tudo aquilo que permite comprar."

A moeda é, então, o meio pelo qual podemos pagar por bens e serviços.


Vejamos, a seguir, algumas terminologias para o conceito de moeda e seus derivados:

1. Moeda fiduciária: É aquela cujo valor é função da sua aceitação, podendo ser de curso forçado imposto por lei ou determinação de autoridade constituída. Sua emissão é livre de qualquer necessidade de reservas pela autoridade monetária.

2. Moeda lastreada: É um título intimamente ligado à existência de reservas de metais preciosos (principalmente o ouro) pela autoridade monetária (no passado, qualquer pessoa poderia realmente resgatar uma parte desta reservas associada ao papel-moeda). Sua emissão depende exclusivamente da existência de tais reservas em quantidade suficiente para que cada unidade monetária tenha e mantenha a mesma quantidade de ouro associada, o que nem sempre é observado com rigor, gerando os problemas já conhecidos na economia mundial.

3. Os meios de pagamento: São o correspondente ao total de moeda disponível no setor privado não bancário, de liquidez imediata; que pode ser utilizada imediatamente para efetuar transações comerciais.

4. A moeda metálica: No passado (justamente o que trata este artigo), é o objeto metálico fiduciário (vem de fiducia, palavar italiana, de origem latina, que significa confiança), ao portador, emitido por entidade legalmente investida da capacidade de amoedar (Reis, Príncipes, Estados, companhias majestáticas, também ditas privilegiadas) com curso legal e valor liberatório.

5. Cédula bancária: Documento fiduciário, com curso legal e valor liberatório, ao portador, emitida por entidade legalmente investida da capacidade de amoedar ou emitir papel moeda.


Nota I: Fichas e tokens - São emissões particulares que podem ter diversos formatos, inclusive o de moeda, podendo servir como representação de determinada quantia monetária, compensação ou resgate de determinado bem ou serviço. É um conceito introduzido na idade moderna muito atrelado a regionalismos. Tipos de fichas: Fichas de jogo, telefônicas, de atendimento, de estacionamento, etc.

Podem representar um "valor monetário" ?

Resp: Sim!  Você paga no caixa, de um lado do balcão do bar, por exemplo, pega a ficha e entrega do outro lado do balcão para a pessoa que vai recolher a ficha e te entregar o produto que você comprou. Nesse caso a ficha pode ser uma notinha ou um papel que descreve a mercadoria que você comprou. Como esclarecido, é um conceito moderno que inexistia ao tempo das obsidionais holandesas. Não existe nenhum documento da época em que seja citada ou ordenada a fabricação de "ficha" com valor agregado.

Nota II: Medalhas - Não tem valor monetário intrínseco e não podem ser utilizadas como dinheiro.


É inquestionável que para diferenciar, sem deixar margem à dúvidas, a moeda de curso legal e oficial da mera e simples emissão particular, devemos saber quem as emitiu...se uma companhia privada ou se um Estado soberano. Para tanto, é necessário saber quem é quem; mas a questão não é assim tão simples. Isto porque algumas companhias privadas, fora do seu território de origem, eram o próprio Estado. É o que veremos a seguir:


COMPANHIA PRIVILEGIADA, MAJESTÁTICA

As companhias majestáticas, também chamadas de companhias privilegiadas (Geoctoyeerde Compagnie = chartered company), eram companhias privadas, portadoras de carta de concessão de um governo que lhes conferia o direito a certos privilégios comerciais não concedidos às outras companhias. 

Nas colônias administradas por concessão, o poder público não se exercia diretamente através dos orgãos do Estado soberano no território ou em parte dele. Era confiado pelo Estado à sociedades comerciais que o exerciam sob fiscalização do governo. 

Essas companhias se desenvolveram na Europa no início das grandes conquistas coloniais. Geralmente criadas por um grupo de investidores privados, detinham um monopólio de exploração comercial e colonização dos territórios coloniais em nome do governo concedente, com direito aos lucros advindos dessas atividades. Os governos europeus formaram ou encorajaram a criação dessas companhias nacionais para concorrer com as empresas de nações rivais, impondo sua supremacia por serem investidas de um poder constituído. A exemplo, quando um navegador descobria terras em nome de uma nação soberana, o fazia representando o Estado e não a sua empresa privada.

Importantes companhias majestáticas foram as neerlandesas das Índias Orientais (VOC) e das Índias Ocidentais (GWC). A primeira controlou as terras que hoje correspondem à atual Indonésia, e a maior parte do comércio entre aquela região e a Europa. A segunda foi a principal rival da francesa "Compagnie des Îles de l'Amérique" e dos britânicos, que disputavam o domínio das Américas.

No Brasil, durante o período da administração de Nassau, a coroa portuguesa (dispondo de poucos recursos financeiros devido á guerras, conflitos e corrupção) aceitou de bom grado a intervenção holandesa e investimentos na região do atual estado de Pernambuco, em particular em Olinda e no Recife, convivendo pacificamente com os flamengos. As discordâncias e consequentes conflitos, tiveram início a partir do fim da administração de Nassau, com a GWC executando as vultosas dívidas dos senhores de engenho e tentando expandir o seu domínio na região.

Sem muito esforço, é relativamente simples entender que ao bater moeda em solo brasileiro, a GWC estava investida de poder concedido por um Estado soberano, a Holanda, que concedia tal privilégio a esta companhia majestática. Resumindo, não era a GWC que estava batendo moeda no Brasil, mas sim a própria e soberana Holanda.

Em épocas de privação ou conflitos, na ausência de emissões oficiais (falta de dinheiro) as populações lançavam mão de outros meios ou títulos de valor que lhes permitissem desenvolver as normais e cotidianas atividades comerciais. Tais meios podiam ser a moeda estrangeira, ou emissões de companhias privilegiadas (majestáticas), cujo emissor lhes inspirasse confiança. Tal confiança era inquestionável, já que a GWC, em território brasileiro, era uma extensão do próprio Estado holandês.

Além disso, convém recordar que existia uma relação comercial/financeira muito sólida e estável entre a GWC, representando oficialmente o governo flamengo, e a população local. Os vultosos empréstimos concedidos aos senhores de engenho para que continuassem a produção açucareira, era realizado em moeda holandesa, plena e satisfatoriamente aceita na região. As emissões dos flamengos só foram proibidas após a sua expulsão, em 1654, sob coação da coroa portuguesa que ameaçou com a forca quem fosse encontrado em posse destas moedas. Não eram poucas como alguns imaginam e sim milhares. Se apenas algumas chegaram aos nossos dias, tal se deve justamente ao temor da população daquela época que, coagida pela coroa portuguesa, derreteu a maior parte delas.

Ao bater moeda em solo brasileiro com o nome BRASIL, a GWC não era apenas e tão somente uma companhia privada; era o próprio, legítimo e soberano Estado holandês, a potência comercial flamenga.


Alguns exemplos práticos para que o leitor possa compreender de forma mais clara o que foi exposto:

1. Diferentemente do Brasil, em que a Casa da Moeda é uma instituição do próprio governo, sendo administrada por ele, em alguns países não é incomum que o Estado conceda a determinadas empresas o privilégio de emitir moeda sob sua tutela. O fato de serem companhias privadas, não torna estas emissóes particulares. Isso porque ao cunhar moeda, esta companhia está investida de um poder que lhe foi concedido pelo próprio Estado.

2. Em 1913, o Estado brasileiro mandou cunhar na Alemanha uma série de moedas (ver figura abaixo) de curso legal, em prata 900. Esta emissão, apesar de trazer a letra monetária "A" da Casa da Moeda de Berlim, e ter o dístico BRAZIL escrito com Z, não é moeda estrangeira e muito menos particular. Ninguém contesta a afirmação de que estas sejam moedas brasileiras de curso legal.


3. O Vaticano é um pequeno e soberano Estado, encravado no terrítório italiano. A fronteira que separa estes dois Estados soberanos,é muito sutil e quase imperceptível. Contudo, mesmo estando 100% dentro da Itália, quem nasce no Vaticano, tem seu próprio passaporte e sua própria moeda, aceita em todo mundo como euro, moeda da União Européia e não mera emissão privada. Não possuindo uma Casa da Moeda própria, o Vaticano entrega suas emissões a cargo da Casa da Moeda italiana (Istituto Poligrafico e Zecca dello Stato) que, mesmo sendo oficialmente estrangeira aos olhos do Vaticano, são emissões de curso e valor legal em toda UE.


Moedas regionais

O argumento de que as obsidionais seriam moedas regionais (não nacionais) é inócuo e desprovido de sentido. Não as invalida, absolutamente, como moeda de curso legal. Diversas cunhagens brasileiras são regionais, a exemplo das moedas cunhadas exclusivamente para o Maranhão, a série "J" de D. José, as moedas de cobre, de D. João V, cunhadas para circular em Minas Gerais, as cunhagens para Goiás e Mato Grosso, etc.


Concluindo: As obsidionais, por terem sido batidas em solo brasileiro, durante período de ocupação holandesa, em situação de emergência, com o nome BRASIL, foram oficialmente cunhadas por um Estado soberano, a Holanda, que concedeu a uma empresa de capital misto - a GWC, companhia majestática que, fora do território flamengo, era considerada o próprio Estado holandês -  o privilégio de representá-la.

Dessa forma, coroando tudo que já foi detalhadamente exposto neste artigo, não resta a menor sombra de dúvida que as emissões holandesas em território colonial brasileiro, com a inscrição BRASIL, em ouro, com as datas 1645 e 1646 e a emissão de prata de 1654, são moedas de curso legal, marcas de um poder constituído e soberano, amplamente respaldadas e garantidas pela autoridade holandesa, cujo poder de decisão e emissão regular de numerário foi concedido à GWC que, em solo brasileiro, era considerada o próprio Estado holandês.


Nota do editor: Entendemos perfeitamente que numismatas iniciantes, por ainda desconhecerem a profundidade da ciência numismática, esquecendo que muito antes de ser mera forma de diversão e colecionismo, o nobre hobby é justamente isso, uma ciência, se deixem levar pela empolgação, entusiasmo e exaltação, absorvendo tudo que lhes é passado como "novidade" por neófitos que se passam por estudiosos e entendidos no assunto. Aconselhamos aos que pretendem iniciar na numismática, que a encarem, antes de tudo, como a ciência que é, necessitando de muito estudo, muita leitura, muita pesquisa aprofundada e científica, paciência, sobriedade, seriedade, dedicação e ponderação. Recordando que as novidades são sempre bem-vindas, mas que devem ser tratadas com cautela, com reflexão e com muito cuidado, para não se deixar induzir por equivocadas e leigas afirmações, incorrendo no erro crasso de um pré-julgamento ou conclusão sem fundamento, sem qualquer base científica, sendo apenas o resultado de uma opinião descabida e sem a lógica que aqui apresentamos aos nossos leitores. 

Esperamos que a nossa exposição, com lógica argumentativa - desprovida de emoção, passionalidade e, principalmente parcialidade - tenha sido bastante clara, didática e elucidativa. Desta forma, que tenha ficado claro, de uma vez por todas, que as obsidionais, batidas pela autoridade da soberana Holanda, em território brasileiro, com a inscrição BRASIL são moedas regionais de curso legal e, portanto, inserida como inquestionável peça da nossa numária. Não são emissões privadas como foi equivocadamente defendido por quem desconhece o assunto.

Para quaisquer esclarecimentos, o leitor pode enviar seus questionamentos e dúvidas para o seguinte endereço e-mail: numismatica@hotmail.it

Nota: Só serão respondidas as dúvidas e questionamentos apresentados com argumentação científica, cujo raciocínio tenha sido exposto com método, lógica e organização.

Texto a cargo de Fernando Antunes e de Rodrigo Maldonado, perito numismático certificado pelo Tribunal italiano.

FIM DO ARTIGO

Bentes