A saga do sistema cúprico no Brasil - primeira parte

Das primeiras moedas das Provisões de 3 e de 29 de Março de 1568, à solução "final" para por fim à farra dos carimbos e à falsificação da moeda de cobre, passando pela abertura e fechamento da Casa da Moeda da Bahia, pela "quebra" do padrão monetário, examinando o derradeiro apelo de Lino Coutinho, em seu proverbial discurso proferido no Parlamento, Bentes propõe a seus leitores uma viagem no tempo, dividida em cinco artigos, desbravando e esmiuçando arquivos, a documentação já conhecida e a desconhecida até então, na tentativa de elucidar definitivamente, os mistérios que envolvem um dos mais fascinantes sistemas monetários do nosso país.


Preâmbulo

Do Engenho de açúcar à unidade Nacional, surge a Casa da Moeda da Bahia. O século XVII foi o do apogeu dos engenhos, da opulência dos nobres senhores, do luxo das mulheres que se adornavam com muitas jóias e se cobriam de sedas. Os engenhos existentes se dilataram; outros novos surgiram, impulsionando a economia da Colônia. O comércio do açúcar (mercadoria cara e somente para poucos) prosperou. É a Bahia a capital, o centro da riqueza e do luxo. Aumentam as construções de casas e prosperam os negócios nas cidades. Erguem-se igrejas e conventos. O senhor de engenho começa a edificar na cidade, construindo habitações e negócios; constrói palácios para sua moradia; usa baixelas de prata, cristais e caminha pela cidade com a “serpentina”, o veículo dos nobres que nunca saíam a pé, carregado por escravos com vestimenta caprichada.

O tempo passa; por trás de todo esse luxo e opulência tem início a decadência. A abundância do produto (o açúcar) determina a vertiginosa queda do seu preço, situação agravada pela concorrência dos mercados holandês, francês e inglês. O preço de exportação dos diversos artigos, por ser muito elevado, induz os mercadores a canalizarem suas economias para atividades distintas, incluindo a apreciação dos gêneros importados da Metrópole.

Tudo somado, a crise do açúcar, o extremo rigor nas cobranças fiscais, os gastos com artigos de luxo importados, etc; culminaram com uma notável saída de moeda da Colônia; a crise de numerário, que tolheu o desenvolvimento das cidades, chegou ao seu auge em 1690. O Brasil ainda não tinha moeda própria; o que circulava no país eram as moedas vindas de Portugal e uma grande quantidade de moedas hispânicas, a essa altura já contramarcadas por ordem da Coroa.


1ª parte - A indústria da falsificação

A partir da Lei de 4 de agosto de 1688, em Portugal, o preço do metal nobre passou de 1.600 réis para 1.760 réis a oitava, fazendo com que a moeda de ouro que ostentava o valor 4.000 réis como facial, de peso 10,75 gramas, passasse a circular com um valor efetivo de 4.800 réis. Diferentemente do que estamos acostumados hoje, a moeda valia o que pesava, sendo mais significativa a quantidade de metal puro que continha do que o valor inciso em uma de suas faces. Dessa forma, se o preço do ouro, ou da prata, aumentava, logicamente a moeda (e não o metal) era desvalorizada, obrigando o soberano a ajustar o seu valor.
Com a criação da primeira Casa da Moeda, durante o período colonial, as moedas de ouro de 4.000 réis, além das de 2.000 réis, nela fabricadas, eram destinadas a circular exclusivamente no Brasil.
Assim, para evitar que todas as moedas de ouro de 4.000 réis, por exemplo, produzidas na Casa da Bahia, fossem parar em Portugal, deixando a Colônia desprovida de numerário, a Coroa as cunhou com valor intrínseco (conteúdo de metal) reduzido, ajustando o facial ao seu peso de 8,16 gramas ou seja, à razão de 1.760 réis a oitava do ouro. Se fossem levadas à Portugal, devido ao seu baixo peso, valeriam os 4.000 réis incisos no anverso e não os 4.800 réis das moedas portuguesas que continuavam a ser cunhadas com 10,75 gramas de peso e 4.000 de facial.

Casa da Moeda do Rio de Janeiro, 4.000 réis 1703 RRRR, peso 10,75 gramas. Moeda Nacional.

Em outras palavras não havia nenhuma compensação em fazer migrar as moedas da Colônia para a Metrópole. A essa moeda, cunhada com características que a diferenciavam daquelas cunhadas em Lisboa, com o objetivo de mantê-las na Colônia, damos o nome de Moeda Colonial, forte em nosso território, fraca em Portugal.
Em obediência à Carta Régia de 12 de janeiro de 1698, a Casa da Moeda da Bahia foi transferida para o Rio de Janeiro que, a exemplo do que era feito na primeira, continuou a cunhar as moedas de 4.000 e 2.000 réis, sem letra monetária, à razão de 1.760 réis a oitava, acrescentando o valor 1.000 réis à série.

A partir de 1703, devido à cada vez maior quantidade de ouro encontrado na Colônia, a mesma Casa da Moeda do Rio de Janeiro passou a cunhar moedas de 4.000 e 2.000 réis, com o peso de 10,75 e 5,37 gramas, respectivamente (à razão de 1.600 réis a oitava), com as letras RRRR, para Portugal, não fazendo qualquer restrição à sua circulação na Colônia. Mesmo tendo estampado os valores faciais de 4.000 e 2.000 réis, devido ao seu peso circulavam tanto em Portugal, quanto no Brasil, por 4.800 e 2.400 réis, respectivamente. A essa moeda, cunhada para circular tanto na Metrópole quanto na Colônia, damos o nome de Moeda Nacional (moeda luso-brasileira, forte).


O Estado do Maranhão

O Estado do Maranhão foi a unidade administrativa criada em 13 de junho de 1621 por Filipe II de Portugal (Filipe III de Espanha), no Norte do Brasil. Compreendia as capitanias do Maranhão, Pará, Piauí e do Ceará. Dessa forma, a América Portuguesa passou a ter duas unidades administrativas: o Estado do Maranhão, com capital em São Luís, e o Estado do Brasil, cuja capital era Salvador.
O objetivo da criação do Estado do Maranhão era o de melhorar a defesa militar na Região Norte e estimular as atividades econômicas e o comércio regional com a Metrópole. Em 1751 passou a chamar-se Estado do Grão-Pará e Maranhão, com a capital transferida de São Luís para Belém. Posteriormente, em 1772, aconteceu uma nova divisão em dois Estados: o Estado do Maranhão e Piauí com sede em São Luís, e o Estado do Grão-Pará e Rio Negro com sede em Belém.
A partir de 1749, durante o governo de D. João V, a Casa da Moeda de Lisboa passou a cunhar uma série de moedas de ouro de peso reduzido em relação às moedas de ouro coloniais, para circulação exclusiva no Maranhão. A essa moeda, cunhada para circular exclusivamente em uma região, damos o nome de Moeda Regional ou Moeda Colonial com circulação local.



A PROVISÃO de 3 de MARÇO de 1568

primeiro documento que atesta a circulação de moeda metálica no Brasil. Nela, El-Rei D. Sebastião reduziu o valor da moeda de cobre que estava circulando no reino e na Conquista Portuguesa na América. Era esse monetário primevo constituído dos seguintes espécimes de cobre: 10 reais, 5 reais, 3 reais e, finalmente, a moeda denominada real.
El-Rei D. Sebastião, informado da grande falsificação de moeda de cobre de procedência estrangeira, que se encontrava em circulação quer no reino quer nas terras conquistadas (Brasil incluso), baixa a Provisão de 3 de março de 1568, reduzindo o valor do numerário de cobre que estava em curso. Assim, a moeda de 10 reais passou a valer 3 reais; a moeda de 5 reais passou a ter o valor de 1,5 reais; e a moeda de 3 reais deveria ser aceita somente pelo valor de 1 real e, por fim, a moeda de real foi convertida a 1/2 real.
Com a publicação dessa Provisão, com força de Lei, também foi proibida a continuidade da lavratura da moeda de real, bem como das moedas de 10; 5 e 3 reais que não mais foram fabricadas por serem consideradas desnecessárias, uma vez que o governo havia baixado o valor de todas que estavam em circulação, obrigando-se ainda a indenizar o prejuízo sofrido pelo particular que havia recebido no estrangeiro moeda de cobre falsificada. Convém esclarecer que já nessa época, a moeda falsa, principalmente a de cobre, havia ingressado em proporção assustadora, tanto na Metrópole quanto no Brasil.
Em face do exposto, nota-se que a Provisão determinou a baixa da moeda de cobre lavrada para circulação, determinando ainda que fosse recebida com os valores reduzidos que ficavam em todos os ...
...”Reynos e sehorios, e que pessoa algua as não engeite sob as penas contheudas em minhas ordenações”...
Mas como já esclarecido anteriormente, a citação acima, em documentos oficiais, não basta para inserir uma moeda na coleção brasileira. Todavia, referida Provisão, chegando à cidade de Salvador, Baía de Todos os Santos, depois de consertada pelo próprio ouvidor geral e já trasladada nos livros da Câmara pela certidão recebida de Lisboa, passada a 29 de março de 1568, foi registrada na Bahia em 17 de setembro do mesmo ano. Uma vez publicada nas Capitanias de Porto Seguro, São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, entrou a citada Provisão em vigor na Colônia.

Figura: O real foi utilizado em todas as colônias portuguesas nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. Foi a unidade de moeda de Portugal desde cerca de 1430 até 1911. Substituiu o dinheiro à taxa de 1 real igual a 840 dinheiros e foi substituído pelo escudo durante a implantação da República em 1910, a uma taxa de 1.000 réis igual a 1 escudo. No Brasil, circulava valendo 1/2 real. O uso da palavra real, como unidade monetária deriva de realeza, sendo pela primeira vez registrada por escrito em 1339, durante o reinado de D. Afonso IV de Portugal (1325-57).


A farra tem início na Colônia - as primeiras moedas de cobre, falsificadas

Na segunda metade do século XVI, ainda nos primeiros anos de colonização da terra recém-descoberta, fez-se urgente a adoção de medidas eficazes a fim de proteger os territórios conquistados. Com a criação do sistema de capitanias hereditárias, fazendeiros, trabalhadores, mercadores, degredados e exilados passaram a chegar com maior frequência à Colônia; aventureiros e os que desejavam tentar a sorte grande, não eram poucos. Muitos deixavam a Metrópole com suas famílias a fim de recomeçar suas vidas na Nova Terra.

Com o estabelecimento de uma pequena sociedade, disposta principalmente em vilarejos, teve início um comércio informal. Como não existia um numerário local produzido na Colônia, as pessoas utilizavam as moedas que traziam consigo. Velhos cobres de diferentes monarcas, moedas de diferentes nações, e outras que ainda circulavam em Portugal eram utilizadas no comércio local, sobretudo como mercadorias nas trocas onde prevalecia o seu valor intrínseco.
O florescente comércio na região, aliado ao alto valor extrínseco das moedas de cobre em circulação (muito acima do preço do metal; situação que perdurou até o segundo Império), acabou servindo de estímulo à produção de moeda falsa. Com o tempo, o derrame de cobre falso tornou-se um verdadeiro problema; a quantidade dessas moedas falsas em circulação era muito grande.

Em 1564 descobriu-se a introdução no Reino de grande quantidade de moeda de cobre contrafeita, vinda principalmente do estrangeiro. O derrame contribuiu para a emissão da Lei de 22 de outubro de 1566 que proibiu a cunhagem das moedas de 10; 5 e 3 reais, ordenando que se continuasse com a lavratura dos ceitis, além de autorizar mais uma vez a cunhagem do Real, agora com a letra S encimada por coroa no lugar do antigo R coroado.

Sendo muita a moeda de cobre falsificada, que circulava no Reino, com natural infiltração no meio circulante da Colônia, tornou-se difícil distingui-la da autêntica. Assim, o governo adotou a medida fiscal de reduzir o preço da moeda de cobre que circulava quer no Reino, quer na terra conquistada, o Brasil. Terminou assim o governo português por legalizar a moeda falsa de cobre para circulação no Reino e nas conquistas. A medida obrigou o particular a não mais falsificar a moeda, pois o cobre em barra, ficando mais caro que o amoedado, nenhum lucro proporcionava.

De certa forma foi a enorme contrafação e a grande quantidade dessas moedas falsas em circulação a contribuir para a emissão de um importante documento para a nossa numismática, como veremos mais adiante.

Houve também falsificação da moeda de prata e ouro, mas em reduzida quantidade já que estes metais amoedados praticamente equivaliam aos preços do marco em barras. Por outro lado, crescia a preocupação da Metrópole no que dizia respeito à manutenção do domínio português em suas colônias, principalmente por serem constantemente ameaçadas de invasão por parte de outras nações, destacando-se entre as principais a França e a Holanda. O controle das moedas em circulação estava entre as medidas que ajudariam a formar a unidade tão necessária à manutenção da ordem e da disciplina. Afinal, o Brasil passava de terra de conquista à próspera Colônia; era hora de adotar medidas eficazes, capazes de transmitir a todos, em particular as nações estrangeiras, o aviso de que Nova Terra possuía um “dono”. Assim, D. Sebastião I de Portugal, preocupado com seus domínios, resolveu formalizar as tratativas comerciais em suas terras, baixando o valor de algumas de suas moedas e decretando-as como sendo de caráter intercontinental, ordenando - com o envio de documentação oficial, comprobatória de sua vontade - sua circulação em todos os seus territórios.

Para tanto, El-Rey usou sua autoridade através de Provisões, para:

1) Ordenar a redução dos valores dessas moedas para desestimular sua falsificação.
2) Oficializar a circulação desse numerário (autêntico e falso) nos principais territórios em que essas moedas circulavam em grande quantidade.

De certa forma foi a enorme contrafação e a grande quantidade dessas moedas falsas em circulação a contribuir para a emissão de um importante documento para a nossa numismática.

El-Rey D. Sebastião, informado da grande falsificação do cobre, de procedência estrangeira, que se encontrava em circulação quer no reino, quer nas terras conquistadas (Brasil incluso), baixa a Provisão de 3 de março de 1568, reduzindo o valor das moedas de cobre que estavam em curso.
Assim, o patacão de 10 reais passou a valer 3 reais; a moeda de 5 reais passou a ter o valor de 1,5 reais; e a moeda de 3 reais deveria ser aceita somente pelo valor de 1 real e, por fim, a moeda de real foi convertida ao valor de apenas 1/2 real. A medida visava, principalmente, evitar a fuga de numerário para a colônia, controlar as falsificações que se alastravam e estimular o uso de moedas de baixo valor, usadas para o troco (o valor circulatório da moeda de Real foi reduzido a 50%, enquanto a de X Reais, em 70% do seu valor extrínseco).

Era esse monetário primevo constituído dos seguintes espécimes de cobre: 10 reais, 5 reais, 3 reais e, finalmente, a moeda denominada real.


A natureza das moedas

Eram cunhadas manualmente, com os ferros de anverso e reverso batidos sobre bigornas, passando a impressão de eventuais desgastes destas moedas que pouco circularam. A quantidade de moeda falsa (nacional e estrangeira) em circulação era de proporção assustadora, tanto na Metrópole quanto no Brasil. A Provisão determinou a baixa da moeda de cobre lavrada para circulação, ordenando ainda que fosse recebida com os valores reduzidos ”...em todos os meus Reynos e senhorios, e que pessoa algua as não engeite sob as penas contheudas em minhas ordenações...”

A natureza de sua confecção simples, aliada ao baixo preço do cobre e ao alto valor extrínseco das moedas, terminou estimulando a falsificação que chegou a níveis absurdamente altos.

A Provisão de 03/03/1568 - Ajustou o valor de circulação das moedas de cobre, nas colônias.Autorizou a circulação de moedas de cobre, nos valores abaixo descritos, na “Conquista Portuguesa na América” (Brasil).

• X Reais, em 3 Reais
• V Reais, em 1 1/2 real
• III Reais, em 1 Real
• Real, em 1/2 Real


Documentação

A declaração, em documentos oficiais, de que determinada moeda deveria correr ”...em todos os meus Reynos e senhorios, e que pessoa alguma as não engeite sob as penas contheudas em minhas ordenações...”, apesar de sugerir o contrário, não basta a determinar, oficialmente, o numerário que tinha expressa autorização para circular na Colônia. Mesmo com a emissão de um documento da Metrópole, é necessário um outro, equivalente, determinando que a autoridade colonial (governador, vice-rei, etc) coloque determinado numerário em circulação. Convém recordar que se a citação acima fosse determinante para formar o acervo da numismática do Brasil, deveríamos então incluir todas as moedas portuguesas cunhadas a partir do descobrimento até o início do Império, já que a expressão foi usada praticamente por todos os soberanos durante o período colonial do Brasil, incluindo os governadores e os reinantes da Casa de Habsburgo.


Patacas

A bem da verdade, foram os holandeses a dar início ao processo de cunhagem em solo brasileiro quando, durante a ocupação do litoral de Pernambuco, em situação de cerco, bateram as primeiras moedas na Colônia; num primeiro momento em ouro com o nome Brasil e, seguidamente, em prata sem alusão ao nome da terra. A partir de 1643, sucessivas evoluções históricas e monetárias aconteceram durante os reinados de D. João IV e D. Afonso VI que, juntamente com D. Pedro II e D. João V, estão intimamente ligados à numismática brasileira.

Todavia, muito antes disso, preocupado com a proteção e preservação das terras conquistadas além-mar (reinos e senhorios da Coroa), D. Sebastião I foi o primeiro a oficializar a circulação de moeda no Brasil, na tentativa de criar uma unidade nacional e combater o avanço crescente da circulação de moeda falsa. É importante ressaltar que não só durante os primeiros 100 anos da colonização, mas também após a instalação e funcionamento da Casa da Moeda no Brasil, e durante toda a vigência do Primeiro Sistema Monetário, a situação da circulação pecuniária na Colônia foi da mais absoluta precariedade.

Em 1580, com a unificação das coroas ibéricas, aumentou a circulação de moeda de prata castelhana, que teve imediata aceitação já nos primórdios da Colônia, visto que já circulava em praticamente todo mundo devido à vasta extensão dos territórios dominados pela Espanha.
Após várias proibições e seguidas liberações, chegou a suplantar o numerário português, sendo até em Portugal admitida, sob a denominação de “PATACAS”.


A Provisão rumo ao Brasil

A Provisão partiu de Lisboa no dia 29/03/1568 com destino à Bahia, lá chegando somente em 17/09/1568. No mesmo dia que chegou à Bahia, foi enviada para as capitanias do Rio de Janeiro, Porto Seguro, Espírito Santo e São Vicente. Chegando à cidade de Salvador, Baía de Todos os Santos, depois de consertada pelo próprio Ouvidor Geral e já trasladada nos livros da Câmara pela certidão recebida de Lisboa - passada a 29 de março de 1568 - foi registrada na Bahia em 17 de setembro do mesmo ano. Uma vez publicada nas Capitanias de Porto Seguro, São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, entrou a citada Provisão em vigor.
A Provisão de 3 de março de 1568 é o primeiro documento que determina e oficializa, de forma explícita, a circulação de moeda metálica no Brasil. Nela, para desestimular o crescente fabrico de moeda falsa de cobre em circulação, El-Rei D. Sebastião I reduziu o valor da moeda que estava circulando no reino e na Conquista Portuguesa na América


As marcas para evitar o cerceio

Cercear , entre outras coisas, significa cortar em roda; diminuir; aparar. Cerceio ou cerceamento, o ato, a ação ou operação de cerceadura ou de cercear ; cerceado. Já nos tempos da antiga Roma imperial, existiam leis fazendo referência à prática do cerceio.
O aparecimento dos denarius serratus, parece ter sido uma primeira prática de cerceio, todavia sem objetivo de fraude.
Com D. Pedro II, ainda Regente, as moedas começaram a ser serrilhadas por cunhagem mecânica. Procurou-se assim evitar que as moedas de prata e de ouro fossem cerceadas. Como o seu corte era irregular, os agiotas limavam-nas retirando-lhes a prata, ou ouro em pó, reduzindo o seu valor intrínseco.
Ao que tudo indica, a fraude, o crime do cerceio contra o estado, surgiu na Idade Média, atingindo o seu pico nos séculos XVI e XVII, já em plena Idade Moderna.
O cerceio, quando executado por peritos ― operação necessária ao ajuste do peso e diâmetro das moedas, naquele período em que a cunhagem era realizada a martelo ― não provocava danos notáveis no aspecto das moedas. Para os Franceses, o termo rognage (cerceio), significa a operação técnica efetuada por peritos, de tal forma a retirar quantidades mínimas dos bordos da moeda, com a finalidade de ajustar suas medidas conforme a lei, principalmente com relação ao peso. Quando efetuado abusivamente, e por partículares, o cerceio revelou-se uma operação metalúrgica defraudadora do peso, formato e aspecto formal dos próprios exemplares.
Há de se salientar, que a cunhagem a martelo e a balancé - donde resultava o descentramento da moeda, bordos boleados, etc. - contribuíram para o surgimento e, principalmente, a continuidade do cerceamento de moeda. Lâminas finas por vezes recortadas à tesoura, ou até lâminas mais espessas tratadas por processos mecânicos de recorte, contribuíram também para o aparecimento de cerceio.
O cerceio podia ser total ou parcial; no primeiro caso, era aplicado a toda a periferia da moeda; no segundo caso se resumia à uma raspagem sutil dos bordos de várias moedas, na tentativa de não chamar tanta atenção para a fraude.
Se por um lado o cerceio era usado pelas autoridades a fim de ajustar a moeda ao seu standard, por outro lado era prática usual efetuada por particulares, constintuindo-se, no segundo caso, em crime de fraude contra o estado.
Acrescente-se à problemática o fato que as próprias entidades públicas - quando procuraram atacar o cerceio, propondo a troca de moeda adulterada (antiga ou velha) por moeda nova não cerceada - foram obrigadas a lidar com o sério problema da corrupção entre seus funcionários.

No reinado de D. Sebastião, devido ao intenso cerceio da moeda de ouro, a Lei de 19 de Setembro de 1559, predispunha até quanto o cerceio poderia atingir; 7 grãos nos caso da moeda de 1000 reais. Essa Lei confusa instituía, dessa forma, “legalidade” ao cerceio. Mais do que isso, dava ao fraudador a possibilidade de um ganho maior, já que o mesmo poderia se beneficiar dessa lei, cerceando diversas moedas, antes de entregá-las à Casa da Moeda.
Já durante o reinado de D. Pedro II, as patacas e meias patacas deveriam ser entregues na Casa da Moeda, onde por elas se pagaria, a título de indenização, valor equivalente ao intrínseco da prata contida na moeda cerceada. Já a lei que regulava o procedimento anterior chegou mesmo a dar impulso à fraude, pois determinava valor fixo para o pagamento destas moedas, impondo uma espécie de multa (um desconto único por cada exemplar cerceado), pela alteração do estilo da moeda. Com lei tão confusa quanto ingênua, era de se esperar que o cerceio aumentasse consideravelmente.

Mais tarde, no reinado de D. João V, por editais de 13 de Janeiro de 1733, decretou-se que as moedas cerceadas entregues à Coroa não teriam os descontos do feitio e da senhoriagem.


O Regimento das Terras Minerais - O controle da riqueza

Os metais preciosos e o pau-brasil encontrados na Colônia eram considerados patrimônio régio e a reserva do quinto real constituía uma das medidas do regime da Coroa sobre sua exploração. Portugal não permitia a comercialização da madeira sem a sua autorização, assim como dos metais extraídos das minas. Todavia, a exploração desses recursos nem sempre obedecia à lógica governamental levando os exploradores, muitas vezes, a não prestarem contas das riquezas encontradas. Foi com a intenção de conter a burla ao fisco que a legislação exigiu a observância das normas penalizando a sua transgressão.

Controlar a exploração desordenada da madeira do pau-brasil, dos metais preciosos e evitar o contrabando era a parte que cabia à Coroa portuguesa porque a saída da madeira e do ouro, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio.

O reinado dos Filipes da Espanha - dois Estados, duas Coroas e um só rei - sugere um controle diferente em relação ao que aconteceu no período anterior a 1580, regulando sistematicamente os recursos naturais a serem explorados. A legislação Filipina da Colônia procurou disciplinar as relações concretas, políticas e, sobretudo, econômicas. Todavia, mesmo que as normas legais cristalizassem os objetivos da empresa colonizadora, lhes eram necessárias a eficácia, já que a legislação dimensiona o domínio, mas não a obediência daqueles que exerciam a tarefa de explorar.
Para a Coroa portuguesa a observância das normas estabelecidas para organizar o governo na Colônia era a garantia da manutenção do reino. Preservar as riquezas coloniais – e, em especial, o pau-brasil – exigiu o estabelecimento de regras que deveriam ser obedecidas. Como proprietário do solo e subsolo das terras conquistadas, Portugal não permitia a comercialização da madeira por nenhuma autoridade ou pessoa comum sem a sua autorização. Este procedimento ficou claro, na época da divisão da Colônia em Capitanias (donatarias) Hereditárias, quando no Foral e na Carta de Doação (1534) entregues aos donatários, constava punição aos que infringissem a lei com a perda dos seus ganhos para a metrópole e com o degredo para a ilha de São Tomé.

Quando da centralização administrativa do poder na Colônia, o Regimento de Tomé de Souza, então governador-geral do Brasil (1548), faz referência ao pau-brasil, reafirmando os direitos da Coroa e exigindo a limitação do preço do resgate da madeira. Entretanto, não previa, expressamente, sanções pela desobediência às normas, o que significa que permaneciam em vigor as penalidades estipuladas nos documentos de 1534.

Nos governos gerais posteriores a Tomé de Souza, a exploração do pau-brasil não foi objeto de nova legislação e, pela falta de documentação específica, a desobediência às normas pareceu sofrer os mesmos tipos de penalidades anteriormente citadas. Não só a exclusividade na exploração, mas também a conservação visando maiores lucros são a tônica da política desenvolvida pela metrópole naquele regimento.

Na colônia, neste início do século XVII, a preocupação com a observância da lei para se controlar os negócios ilícitos era patente; sabe-se que o governador-geral Diogo Botelho, em 1603, ao inspecionar os navios no porto da vila de Olinda, tentava coibir o contrabando do pau-brasil. A devastação das florestas de pau-brasil e sua exploração sem limites, prejudicavam os interesses econômicos da Metrópole, levando Filipe II a legislar especialmente para a exploração dessa madeira. Esta atitude confirma uma estratégia da Coroa no controle aos negócios espúrios – a exploração não oficial – do pau-brasil e também uma postura legislativa inovadora, por legislar especificamente para determinado produto, atitude não observada nos monarcas anteriores ao administrarem juridicamente a exploração na Colônia.

Ao desobedecer às normas estipuladas, o infrator recebia sanções que variavam da pena pecuniária, passavam pelo açoite e o degredo e chegavam até a pena de morte. Como todas as penas estipuladas nas Ordenações Filipinas, a comutação da pena era aplicada em função do status social do indivíduo, pelo menos isto é o que se depreende da legislação no Regimento do Pau Brasil, ao indicar que aquele que tirasse quantidade de madeira excedendo de dez quintais, incorreria em pena de cem cruzados, e se passasse de cinqüenta quintais, sendo peão, seria açoitado, e degredado por dez anos para Angola, e passando de cem quintais morreria por ele, perdendo toda a sua fazenda.

A comprovação da tentativa de se fazer cumprir a lei foi registrada pelo envio do licenciado Sebastião de Carvalho, em 1607, para proceder à devassa. De acordo com José Bernardino de Souza, esta devassa foi motivada pelo contrabando de pau-brasil em Pernambuco; nela se chegou a incriminar o donatário Duarte de Albuquerque. Entretanto, parece não ter sido tão fácil tal empreendimento, porque o governador-geral, Diogo de Menezes, em carta de 4 de dezembro de 1608 ao Rei, deu ciência de que o povo do Recife não estaria propenso a consentir na execução da medidas que consideravam desnecessárias e arbitrárias. Contudo, de acordo com uma Provisão de 1609 que tratava do procedimento para o livramento dos culpados, comprovavam-se os motivos da devassa, bem como a indicação do licenciado para tal procedimento.

Estes oficiais e funcionários seriam enviados para o reino a fim de procederem as suas defesas não pelos negócios ilícitos (contrabando), mas por “prevaricação” no desempenho de suas funções. Com relação aos outros envolvidos, deveriam ser julgados no Brasil por um juiz da Coroa:
“...Eu, el-Rei, faço saber aos que este alvará virem, que sendo informado da muita devassidão com que nas partes do Brasil contra a proibição que sobre isso mandei fazer, em grande dano do meu serviço e Fazenda, e querendo a isso atalhar, enviei a elas o licenciado Sebastião de Carvalho para que tirasse devassa e prendesse os culpados, e presos os enviasse a este reino para nele se livrarem, conforme a provisão que lhe mandei passar, e por outra lhe mandei que enquanto não ordenasse outra coisa, enviasse somente até dez dos ditos culpados, e querendo agora dar ordem e forma sobre o modo de seu livramento, hei por bem, e me traz por alguns justos respeitos...”
“...os oficiais de justiça e a minha Fazenda, que tinham obrigação de guardar a lei, e assim os feitores dos contratadores que estivessem culpados na dita devassa, sejam embarcados presos para estes reinos, com a cópia de suas culpas, para cá se livrarem delas, na forma da dita minha primeira provisão e que todas as mais pessoas que na mesma devassa estiverem culpadas, que ainda não forem enviadas para este reino, se livrem nas ditas partes do Brasil perante o juiz de minha Coroa e Fazenda, na Relação, com os desembargadores que lhe der o governador, que será presente ao despacho deles, para o que se remeterão ao dito juiz todas as devassas, autos e papéis que houver tocantes a esta matéria, nos termos e estado em que estiverem, exceto as causas que estiverem já sentenciadas quando lá chegar...”
 A preocupação da Coroa no atendimento das normas legais é explicitada também por meio das correspondências trocadas com os governadores. Chamava-se atenção para o reforço na defesa, diante das notícias de que navios holandeses “visitariam” a costa brasileira e, a partir disto, ordenava-se a expulsão de todos os estrangeiros residentes na colônia, na tentativa de se evitar a facilitação do contrabando de pau-brasil.
Entretanto, nem sempre a lei era seguida à risca. Na carta de 8 de outubro de 1617, ao governador Luís de Sousa, o rei pede que se reconsidere a expulsão de todos os estrangeiros residentes no Brasil, ordenada em carta anterior; em vez dela, pede informações minuciosas acerca destes. Pede ainda que os considerados suspeitos de acobertarem o contrabando holandês do pau-brasil fossem enviados ao reino, com a formalização de suas culpas.

Durante o domínio holandês (1630-1654), a chamada costa do pau-brasil foi ocupada e declarada reserva e monopólio do invasor. Contudo o interesse da Coroa portuguesa pela exploração não sofreu intimidação, pois o contrato que firmou com Luis Vaz de Resende no ano de 1632 para explorar as regiões de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, durante dez anos, a despeito da ocupação holandesa não deixa dúvidas a esse respeito. Outro ponto importante nesta época, e que vem ao encontro das estratégias da Coroa no combate ao ilícito, e delineava o interesse Real pelos lucros que a exploração da madeira poderia trazer, foi a criação da Conservatória do Contrato de Pau-brasil, pelo Alvará de 1635.
Um foro especial julgava não só o descumprimento, por parte dos contratadores, das regras em relação à quantidade a ser cortada, mas também avocava a si todas as outras causas em que os contratadores estivessem envolvidos.
A outra fonte de riqueza foram os metais. Considerados patrimônio régio, a reserva do quinto real constituía uma das medidas do regime monopolista da Coroa sobre sua exploração. Entretanto, o ouro e a prata não foram encontrados no início da colonização; o estímulo à procura desses metais veio pelas descobertas da prata efetivadas pela Coroa espanhola na América. Combinava-se, no início do século XVI, com as incursões ao interior, se conhecer melhor a terra, procurar metais e capturar nativos.
Em algumas atas dos vereadores municipais de Piratininga constam notícias da partida de expedições que, supostamente organizadas para procurar metais e pedras preciosas, muitas vezes, camuflavam suas verdadeiras intenções de capturar indígenas. Portanto, como não haviam sido encontradas minas, Portugal não legislou especificamente sobre o assunto apesar da preocupação com os metais preciosos estar sempre presente.

No Foral entregue a Duarte Coelho encontramos a preocupação portuguesa em colocar a caminho a sua política mercantilista, ao preconizar:
“...havendo nas terras da dita capitania, costa, mares, rios e baías dela qualquer sorte de pedrarias, pérolas, ouro, prata, coral, cobre, estanho, chumbo ou qualquer sorte de metal, pagar-se-á a mim o quinto...”
Na Carta de Doação não consta especificação quanto aos metais, mas no Foral, quando se menciona o pagamento do imposto que era devido à Coroa, ressalta-se que no caso de haver descaminho de qualquer riqueza da colônia que pertencesse ao rei, o indivíduo seria punido com degredo para a ilha de São Tomé, além de receber multa pecuniária. O domínio espanhol assinalou um enrijecimento do controle da Metrópole sobre a Colônia. A preocupação em encontrar ouro e prata foi uma constante durante o governo dos Filipes.
Nesse período, o primeiro documento a tratar da questão foi o Regimento de Francisco Giraldes (1588), que, ao não mencionar a existência de penalidades para a desobediência da lei, seguia os procedimentos penais cominados pelos documentos anteriores. O Alvará de 13 de dezembro de 1590 concedido a Gabriel Soares de Sousa, e que dava permissão para que proseguisse com a sua expedição além do rio São Francisco, reforça a intenção Real na procura dos metais.

O interesse da Coroa em encontrar ouro e prata nas terras portuguesas da América foi notório. Francisco de Sousa, então governador-geral nomeado (1591-1602), ao sair de Lisboa deixou acertadas nomeações, pelo Alvará de 26 de março de 1591, de pessoas entendidas em mineração, como um certo Cristóvão, lapidador de esmeraldas. Além disso, a transferência do provedor das minas de Monomotapa, o castelhano Agostinho de Souto Maior para as minas do Brasil.
O governador-geral seguinte, Diogo Botelho (1602-1606), foi encarregado de colocar em prática o Primeiro Regimento das Terras Minerais do Brasil (1603), o controle dos negócios ilícitos relacionados à mineração. Esse regimento mostra o intuito da Coroa em dotar a Colônia de uma regulamentação legal capaz de organizar, in loco, não só a procura, mas também a extração dos metais preciosos.
Nota-se, neste regimento de 1603, a influência em relação à exploração das minas na América espanhola. Demonstra que o rei das duas Coroas recomendava que a procura da prata ou do ouro nas minas deveria ser executada da mesma maneira que a seguida pelos exploradores das Colônias espanholas na América.
“ ...o melhor lavrar das minas de ouro e prata ... é não se lavrarem, nem cavarem a pique, senão de través, por ser assim a obra mais forte e segura, para os que nela trabalharem poderem chegar ao metal, como a experiência tem mostrado em muitas partes do Peru e Nova Espanha ...”
Outra referência importante a ser lembrada em relação à exploração dos metais é quanto ao empenho em assegurar sempre para a Coroa a propriedade das minas, como dona do subsolo das terras. Aos descobridores era dada a concessão para explorar.

A exploração procedia se assim entendessem as autoridades competentes, tanto que consta dos pareceres do Conselho de Portugal, do despacho Real e do governador Francisco de Sousa (1591-1602) resposta afirmativa ao pedido do provedor das minas de São Vicente, Diogo de Quadros, que apôs à margem esquerda, como de costume, sua decisão: ”...A verificação das minas é certa, são muito boas, eu o sei e as vi...”

Uma das figuras de maior importância no processo do cumprimento das normas para a exploração dos metais foi o provedor das minas, que deveria assegurar para a Metrópole a propriedade e os possíveis lucros provenientes da exploração. Entre outros desempenhos que deveriam neutralizar os negócios ilícitos estava o parecer do provedor das minas favorável para que o governador construísse a Casa de Fundição, além de manter vigias que impedissem a presença, no local, de pessoas estranhas ou suspeitas que pudessem cometer atos que viessem, a exemplo do contrabando, a prejudicar a Coroa.

Estes oficiais e funcionários seriam enviados para o reino a fim de procederem as suas defesas não pelos negócios ilícitos (contrabando), mas por “prevaricação” no desempenho de suas funções. Com relação aos outros envolvidos, deveriam ser julgados no Brasil por um juiz da Coroa. Encontrar a todo custo o metal foi o objetivo do governo Habsburgo na Colônia. Basta observar, no texto da lei, a obrigação de se explorar ouro “até dar na pedra” quando fosse procurado em regato, riacho ou rio caudaloso, como mencionava o item quarenta e sete do documento.
Portanto, assegurar para a Metrópole o lucro da exploração das minas sem despesas para a Coroa, a supervisão de todo o processo e evitar o contrabando foram as metas a serem alcançadas na medida em que o descobridor da mina podia se beneficiar e aproveitar da extração à sua custa e despesa, desde que pagando o quinto.
Entretanto, a obtenção do privilégio para a exploração nem sempre levou os mineradores a prestar contas do que era encontrado. Foi com a intenção de conter a burla do fisco que a legislação penalizou a transgressão das normas estipuladas para a exploração. Apesar de não haver justificativa para que o explorador burlasse a lei, isso era feito frequentemente frente a “rigidez” monopolista da Coroa que pressionava para que as vontades particulares não se sobrepusessem aos interesses de el-Rei.
A intenção do legislador quanto à preservação do quinhão real foi demonstrar que qualquer transgressão às normas impostas pela Coroa era grave e a sua não observância impossibilitava o bom andamento da exploração e, consequentemente, o lucro. A partir deste regimento constata-se, do ponto de vista legal, a rigidez com que passou a ser tratada a exploração dos metais.
Os tipos de sanções aplicadas dão mostras desta rigidez, e as faltas e transgressões foram classificadas em graves e muito graves. Ficou proibido vender, embarcar, trocar e doar o metal fora da Casa de Fundição. Estas transgressões eram consideradas delito gravíssimo, crime de lesa-majestade, e cominadas com a pena de morte. Também previa-se a perda dos proventos dos transgressores, e o que havia lucrado era dividido em duas partes: uma destinada à Câmara Real e outra a quem denunciasse, como asseverou o item 55, do regimento de 1603:
“...E nenhuma pessoa de qualquer sorte e condição (…) poderá, fora da Casa de Fundição, vender, trocar, doar ou embarcar, para qualquer outra parte, metal algum de ouro e de prata, que das ditas minas se tirar, sem ser marcado com as ditas minhas armas (…) sob pena de morte e de perda de sua fazenda; as duas partes para minha Câmara Real, e a terceira parte para o acusador...”
Esta espécie de “recompensa”, que provavelmente incentivou os delatores, foi uma tentativa de controlar a atividade mineradora e evitar o descaminho do ouro, ao mesmo tempo em que se resguardava o que, por direito, pertencia ao rei.
Este procedimento – a cobrança do quinto – estava em consonância com as práticas mercantilistas adotadas por outros Estados no mesmo período.

Os delitos que não lesavam diretamente os cofres do reino, apenas impediam o desenvolvimento da exploração, eram considerados assim mesmo como infrações graves e, quando detectados, sua penalização possibilitava a concessão de mineração a outros exploradores. Na maioria das vezes, as sanções estabelecidas para este tipo de delito se resumiam em pecuniárias, perda de privilégios ou perda das minas. Como exemplo, as ações de fraudar a descoberta de metal em mina registrada, induzindo a autoridade em erro mediante artifício, recebia como sanção o pagamento das perdas e danos às pessoas que também tinham parte na mina e a perda do privilégio de descobridor, segundo o item número 3 deste 1º Regimento das Terras Minerais do Brasil:
“ ...E depois de o descobridor tirar metal da dita mina, será obrigado a aparecer com ele, e o manifestar ao provedor (…) dentro de trinta dias; por juramento (…) declarará em como o dito metal de ouro ou prata é da própria mina que tem registrada, e achando-se não ser dela, será castigado como for de justiça, e pagará todas as perdas e danos que se seguirem às pessoas que pedirem parte na dita mina, e sendo passados os ditos vinte dias, sem fazer a manifestação do metal que tiver tirado, não gozará do privilégio de descobridor ...”
Outros exemplos são indicados pelos ítens 7, 10, 14, 26, 30 e 48 onde são mencionadas questões relativas à mudança das marcas e balizas das minas sem autorização do provedor; a venda de mina dada em repartição antes de encontrar metal fixo; não observar a segurança dos trabalhadores da mina; não obedecer ao prazo de cinquenta dias para lavrar a mina; o explorador que tomasse mina em nome de outrem como seu procurador ficavam sujeitos à pena pecuniária, etc.
Efetivamente, objetivava-se com estas normas coibir ao máximo possíveis deslizes que prejudicassem a continuidade do trabalho na mineração. A exploração não podia ser paralisada e mesmo as dívidas contraídas pelo dono da mina deveriam ser pagas com o ganho do seu trabalho. Por isto era proibido prender os donos de minas por motivo de dívidas enquanto estivessem trabalhando nelas.
Também era proibido penhorar os escravos, ferramentas, mantimentos utilizados na mineração, como normatizava o item 50 do mesmo regimento, numa demonstração efetiva da preocupação com o lucro.
“ ...E pelo grande prejuízo que se seguirá em se impedir o lavor das minas: hei por bem que os donos delas não possam ser presos por dívidas, enquanto nelas trabalharem; nem penhorados nos escravos, ferramentas e mais petrechos que para lavrar e benefício delas for necessário; e as Justiças a que pertencerem farão que paguem eles suas dívidas com o procedimento e ganho que tiverem nas ditas minas ...”
A legislação vetava aos funcionários reais, com funções ligadas à atividade mineradora, possuírem minas ou participação nelas, em companhias envolvidas com a mineração ou ainda possuírem o metal. Pelo item 52, este negócio era considerado ilícito e acarretava ao envolvido a perda dos seus proventos e a privação dos seus ofícios, além de serem embarcados para o reino sem possibilidade de retorno à Colônia:
“...O provedor, tesoureiro e escrivão e quaisquer outros oficiais que forem das ditas minas não poderão ter parte, nem companhia nelas, nem tratarão em metal algum per si, nem por outrem, sob pena de perda de sua fazenda e privação de seu ofício; na mesma perda de perder sua fazenda incorrerão os que derem [tiverem] parte e tiverem companhia, uns e outros serão embarcados para o reino, e não poderão tornar mais a estas partes...”
Parece provável que estes homens, longe dos olhos da Coroa, tenham se sentido tentados a enriquecer. A garantia da obediência estava a cargo da autoridade máxima da Colônia, o governador. Competia a ele proceder como “for de justiça”, e enviar ao reino o traslado das culpas das autoridades locais, quando estas tivessem transgredido as determinações impostas.

Os problemas legais relacionados às minas, antes da vigência do regimento de 1603, eram resolvidos em Portugal. Não encontramos referências, nos documentos anteriores, alusivos à alçada que deveria solucionar eventuais litígios. Somente com o regimento de 1603, a lei delegou poderes às autoridades locais para tratar sobre questões que envolvessem a mineração.

A alçada do provedor das minas para resolver contendas entre partes na mineração foi limitada a litígios de até 60$000 (sessenta mil réis) e se resolvia sumariamente. Acima deste valor, o agravo e a apelação eram da competência do provedor da Fazenda, de acordo com o estabelecido no item 58. Ao analisar o texto legal, o legislador parece não dar chances aos litigantes quando o problema se transformava em impedimento ao trabalho de exploração. Mesmo havendo uma hierarquia estabelecida com base no valor das causas, o provedor deveria resolver o litígio sem permitir apelação da sua sentença. Neste sentido, a lei se submetia às circunstâncias e estas demonstravam a necessidade econômica da procura dos metais, resguardando o lucro da Coroa.

As prospecções na mineração, ocorridas entre 1606 e 1612, no período que corresponde, portanto, ao governo de Diogo de Menezes e de Gaspar de Sousa, seguiram as normas estabelecidas no regimento das minas de 1603. O Regimento de Gaspar de Sousa não faz referência às sanções quanto ao descaminho de metais; apenas referendou no item 33 o atendimento às normas legais daquele Primeiro Regimento. Há, assim, uma continuidade nos procedimentos adotados pelos Habsburgos no controle dos negócios ilícitos relativos à mineração.

No Segundo Regimento das Terras Minerais do Brasil, o item que trata do contrabando do ouro e de outros metais não expressou a cominação da pena capital para os que caíssem em “desgraça” durante as devassas, procedimento que averiguava fatos considerados criminosos. O item 15, que determina que “...o provedor tirará devassa cada seis meses ... das pessoas que descaminharam ouro, prata e outros metais, sem pagarem os quintos à minha Fazenda, e dos que não marcaram na dita Feitoria...”, remete-se às Ordenações Filipinas, ao anunciar que “...procederá contra eles (aqueles que descaminharem ouro) na forma das minhas Ordenações e Regimentos...”
Ao elaborar os regimentos para administrar suas colônias, o poder central parece assumir suas limitações, a ponto de quase admitir não poder abraçar especificamente todas as questões que envolveriam a administração. Por isto, diferentemente do Regimento de 1603, à falta de sanção expressa no regimento, para o descaminho dos metais considerados nobres, procedia-se de acordo com a lei maior, no caso, as Ordenações Filipinas.
Regra geral, no Regimento de 1618 foram aplicadas sanções pecuniárias a delitos que obstruíssem a continuidade do trabalho na mineração. As referências estão nos itens 3 (desobedecer instruções do provedor) e 6 (explorar sem licença real estanho, cobre e chumbo). Pela não observância ao bom tratamento dos povos indígenas que trabalhassem nas minas, e isto incluía o que deveriam receber, os transgressores eram multados em 50 (cinquenta) cruzados, revertidos para o fundo dos cativos, além de serem obrigados a pagar os salários atrasados, como registrava o item 11.

Alguns procedimentos legais já encontrados no regimento de 1603 foram mantidos no Segundo Regimento das Terras Minerais do Brasil e “auxiliaram” na observância da lei, por meio da denúncia. Os artigos 6 e 14, respectivamente, comprovam a utilização desse tipo de medida ao “premiar” com um terço do valor do negócio ao denunciante da negociata sem licença real ou àquele que denunciasse quem não havia marcado oficialmente o metal encontrado.

Estas normas restritivas, mais uma vez, demonstravam que o governo dos Filipes necessitava, cada vez mais, de quantidades maiores de metais preciosos para fazer frente às outras nações, uma vez que seu império dava mostras de declínio.

O Regimento de 1618, dando continuidade à política adotada no regimento de 1603, previu instâncias diferenciadas para a solução dos litígios ocorridos na mineração. A diferença em relação ao Primeiro Regimento da mineração ficou com a instalação, em 1610, do Tribunal da Relação da Bahia, que foi visto como necessário à “defesa da vida, fazenda, honra e liberdade de todos os vassalos”. Este tribunal tinha o intuito de resolver os abusos do poder e o desrespeito às leis, entre outras contendas que aguardavam pela ação da justiça. Apesar das esperanças depositadas numa administração da justiça mais imparcial, o Tribunal da Relação da Bahia teve vida curta e parece não ter conseguido atender a Colônia como um todo, daí o término da sua primeira fase em 1619. Entretanto, ainda estava em vigor quando da elaboração do Regimento de 1618, tanto que os litígios envolvendo um maior valor deveriam ser encaminhados àquela instância. Da alçada do Tribunal da Relação da Bahia faziam parte as questões envolvendo bens móveis e bens de raiz acima de cem e de cinquenta cruzados, respectivamente. A solução das questões até estes valores seria da competência do provedor das minas, em conformidade com os itens 9 e 11, do referido regimento.

Na obrigação da observância da lei percebemos o controle da Coroa sobre suas riquezas. Desde os primeiros documentos político-administrativos coloniais, a Coroa punia com severidade àqueles que burlassem as suas leis, instituindo a pena de degredo. Consta, segundo Joaquim Veríssimo Serrão, que o Alvará Real de 15 de março de 1610, ao chanceler e ao desembargador, para que os condenados a degredo pela Relação fossem enviados à capitania do Rio Grande do Norte, teve o intuito de povoar a terra. Esta ordem demonstra a visão política do governo, ao utilizar o réu de degredo em proveito da Coroa.

Os regimentos, representando um braço da administração central na Colônia, não precisavam mencionar determinado procedimento legal, subentendendo-se nesse caso, que as medidas adotadas estariam em consonância com as Ordenações.

É este o caso destes regimentos que, ao mencionarem a diferenciação de penalidades para os distintos segmentos sociais, se reportavam ao privilégio já normatizado no Livro V das Ordenações Filipinas, quando penalizou que “...em sendo peão ... seja açoitado e degredado para sempre para as naus; e sendo pessoa de maior qualidade, seja degredado para o Brasil para sempre; e sendo escravo, morra morte natural...”

A expansão ultramarina européia e a colonização do Novo Mundo apareceram como um desdobramento da expansão puramente comercial e a colonização tinha como objetivo produzir para o mercado externo, fornecendo produtos tropicais e metais nobres à economia européia. E, neste sentido, a legislação procurou controlar os negócios ilícitos – descaminhos da madeira e dos metais - embora se saiba que a lei dimensionava a dominação, mas não a obediência daqueles que exerciam a tarefa de explorar.

A estratégia da Coroa no combate aos negócios espúrios - descaminho das riquezas da Colônia – se fez, especificamente, por meio do regimento de 1605 para a exploração do pau-brasil e os regimentos de 1603 e 1618 para a mineração. Ao exigir o cumprimento das normas, aplicando sanções às suas transgressões, a Coroa tentou evitar os prejuízos ao erário Real, numa demonstração inequivocável da sua forma de governar objetivando o desenvolvimento nacional a qualquer preço. 

Em relação à mineração, ao comparar os seus regimentos, percebe-se que o primeiro foi mais detalhista e rígido ao passo que, o segundo, conciso e mais flexível. Além de não ter sido encontrado em abundância o ouro ou a prata durante os século XVI e XVII, provavelmente, o regimento de 1603 não foi operacionalizado também devido à falta de flexibilidade e concisão. Por isso, no Segundo Regimento se tentou administrar e controlar a mineração, a partir de um número reduzido de itens.
Anteriormente à administração Filipina não se observa na legislação a penalização máxima para o desvio dos metais. Somente a partir dos dois regimentos para a mineração foi que se cominou a pena de morte. A razão para este fato parece estar no empenho do governo em fazer desta Colônia uma outra Potosi, não fossem os Filipes reis das duas Coroas.

Em relação à política adotada pela Coroa na observância e na penalização das normas relativas à exploração do pau-brasil, chama atenção o procedimento legal adotado quanto às infrações cometidas. No Regimento do Pau-brasil, além das penas pecuniárias, dos açoites e do degredo, foi sancionada a pena de morte. Este procedimento legal pareceu inovar em matéria de se fazer cumprir a lei quando comparada às legislações aplicadas anteriormente na Colônia.

Nas Ordenações Filipinas os descaminhos da Fazenda Real, quando não diziam respeito aos metais preciosos, eram penalizados mais brandamente, com a pena pecuniária e o degredo para a Colônia portuguesa na América, mesmo que fosse para sempre, e não com a morte. O pau-brasil, representando lucro para os cofres da Metrópole, não poderia ter o seu descaminho tratado de outra maneira, a não ser com um tipo tão rigoroso de sanção.

Entretanto, na legislação para a exploração do pau-brasil, apesar de todo o rigor regulamentativo em matéria de se fazer cumprir a norma, foram observados os limites sociais e jurídicos do privilégio estamental ao punir-se com açoites o peão e não ao fidalgo quando cometiam o mesmo delito.

Portanto, a exploração desses recursos nem sempre obedeceu à lógica governamental levando os exploradores, muitas vezes, a não prestarem contas das riquezas encontradas, daí os negócios espúrios e o controle Real por meio da legislação.


O cerceio anterior ao reinado de D. Pedro II

Já no reinado de D. João I, se fala em “desvairada moeda”. É muito provável que nessa definição, se possa englobar a moeda cerceada. No reinado de D. Afonso V haviam penas impostas aos cerceadores de moeda de ouro e prata, tanto nacional como estrangeira. Entre os artesãos e profissionais relacionados diretamente à prática do cerceio, contam-se os ourives e os prateiros.

No reinado de D. Sebastião, há também notícia de cerceio de moeda de ouro. Na governação filipina, além do cerceamento já existente em Portugal de moeda portuguesa, veio juntar-se o da moeda espanhola, principalmente as de prata.

Durante o governo de D. Antônio, em Angra (Açores), o excessivo preço dado às moedas de 500 reais de ouro, cruzados e tostões de prata, dobrando-lhe o valor, induziu à falsificação e ao cerceamento dessas moedas. Os Franceses, que ali acorreram como auxiliares, não só cercearam essas moedas como fabricaram outra semelhante por sua conta e risco, daí usufruindo grandes lucros.


Um rei declara guerra ao cerceio

Do cerceio de moeda neste reinado, nos revela Teixeira de Aragão:
“… O cerceamento de moeda tornara-se uma calamidade; todas as medidas para o impedir tinham sido infrutíferas; a própria moeda nova não escapava à cobiça; e a 17 de Outubro de 1685 publicou-se outra lei proibindo o curso às moedas de oiro e prata que não tivessem o peso legal…”
Nessa data foram adotadas providências contra o cerceio de moedas novas, incorrendo os cerceadores, nas penas dos moedeiros falsos. Aqueles que fossem pegos com moedas cerceadas, sofreriam degredo para África (4 anos), além da multa, perda de bens, etc.

No reinado de D. Pedro II, através da Ordem de 26 de maio de 1686, foi aplicada, em Portugal a marca Esfera Armilar Coroada e cordão nas moedas de ouro , medidas adotadas contra o cerceio. No Brasil, a mesma Lei teve execução determinada por Carta Régia de 17/3/1688, extensiva às moedas de prata.

Pela lei de 8 de Julho de 1686, as pessoas a quem fossem apreendidas moedas que depois de autenticadas com cordão e marca, tivessem falta de peso, isto é, estivessem cerceadas, sofreriam as penas decretadas para os cerceadores de moeda da nova fábrica. Neste ano e data, a moeda antiga foi fundida para cunhar moeda nova.

Pelo decreto de 9 de Agosto de 1686, todas as moedas de ouro e prata, cerceadas ou não, seriam entregues no prazo de 15 dias, para que lhes fossem apostas serrilha e marca. O Alvará de 9 de Junho de 1687, trata nomeadamente das despesas a fazer com a redução da moeda antiga de prata nacional cerceada, separando-a na escrituração das patacas.

A 14 de Junho de 1687, sob a presidência do Duque de Cadaval, foi proibido o curso das moedas de prata antigas (200, 250, 400 e 500 réis) cerceados ou não, sendo entregues as que se encontravam cerceadas, em Lisboa, Porto ou noutros locais estabelecidos para o efeito.

A 23 de Julho de 1687, o grave problema do cerceio persistia. A prática veio demonstrar que o processo de serrilhar a moeda de ouro, era insuficiente para impedir o cerceio. Assim, em 14 de Junho de 1688 são mandadas recolher todas as moedas de prata da fábrica antiga a fim de lhes aplicar novas orlas (IOANNES III e ALPHONSUS VI) e serrilhas.

Surgem entretanto abusos, resultantes da troca de moeda antiga, não cerceada, por valor superior ao facial. Em 20 de Maio de 1688 proibiu-se a compra da moeda de ouro ou prata por valor acima do decretado, incorrendo os infratores nas penas impostas aos que cerceavam moeda.

Pode parecer estranho, mas com moedas cerceadas circulando pelo seu valor extrínseco, aqueles que possuíam moedas não cerceadas, passaram a estabelecer uma espécie de ágio nas negociações envolvendo exemplares não adulterados.

A 30 de Junho de 1688, o curso de moeda cerceada foi proibida por editais. Uma disposição de 19 de Julho de 1688, mandou recolher Moedas, meias Moedas e quartos de Moeda de ouro, das fábricas antigas e com cerceio. Os proprietários receberiam 4.400 réis pelas Moedas cujo cerceio não excedesse os 10%; da mesma forma, guardadas as devidas proporções, o mesmo procedimento deveria ser adotado com as ½ moedas e ¼ de moeda.

A 22 de Julho de 1688, por edital, é estabelecido o curso forçado, a peso, da moeda antiga, cerceada ou não, a 84$480 réis o marco.


Esfera Armilar Coroada e cordão, aplicados sobre moeda de ouro, a fim de evitar o cerceio.


Nova orla (IOANNES III e ALPHONSUS VI) e serrilha sobre moedas de prata.


Outras situações de cerceio

D. João V - No reinado deste soberano foi publicado, a 16 de Março de 1713, uma nova lei que proibia a circulação da moeda cerceada, ordenando que fossem confiscadas as que se encontrassem com falta de peso. Persistindo o cerceio de moeda de ouro, a 29 de Novembro de 1732 ordenou-se que cessasse a cunhagem de dobras de oito escudos (12$800 réis), ou de quaisquer moedas com valores superiores a 4$800 réis.

Pela lei de 29 de Julho de 1745, todo o dinheiro cerceado ou falso, deveria ser entregue na Casa da Moeda, no prazo de 2 meses, recebendo seu proprietário apenas o equivalente ao peso; findo o prazo, a Coroa passaria ao confisco dessas moedas.

D. Maria I - No reinado de D. Maria I, devido aos problemas criados com o cerceio das patacas espanholas, ainda em curso, o Governo decretou que corressem a 800 réis cada uma, quando não cerceadas. Pelo assinalável cerceamento de moedas estrangeiras de prata nos Açores, o alvará de 8 de Janeiro de 1795, ordenou que tais moedas deixassem de correr, sendo aceitas apenas pelo seu valor intrínseco.

Na ocasião, foi fixado o prazo de um mês para entrega dessas moedas em cada ilha do arquipélago.

D. João VI - A lei de 5 de Março de 1822, mandava recolher a moeda de prata cerceada, indenizando o proprietário pelo justo valor do seu peso, ficando a cargo da Fazenda as despesas de fundição e cunhagem. Por esta lei, toda a moeda nacional de ouro, tendo ou não o peso legal, deveria ser paga sem distinção. A portaria de 4 de Junho de 1822 suspendeu a compra de moedas de ouro, pela Casa da Moeda. Uma outra portaria de 9 de Junho de 1822 esclarece que “… as compras se limitassem apenas às moedas cerceadas...”.

Por decreto de 17 de Junho de 1822, foram trocadas as moedas de ouro cerceadas à razão de 1$875 réis a oitava.


Recibos da Casa da Moeda de Depósitos de moedas cerceadas

No reinado de D. Pedro II, após março de 1687, foram emitidos, pela Casa da Moeda, recibos, vales ou certificados de depósitos de moedas cerceadas destinadas à recunhagem. Após a restauração da independência e com as guerras subsequentes, o problema do desequilíbrio monetário financeiro se agravou. As moedas de ouro e prata escasseavam, por efeito de entesouramento ou exportação, ou devido à grande quantidade de moeda adulterada em circulação, alçando os valores relativos dos metais preciosos. As moedas que entravam em circulação eram, cada vez mais, objeto do cerceio.

Dada a reconhecida impossibilidade prática de, em curto prazo, fundir e recunhar toda a prata em circulação no Reino e na tentativa de impedir a sua saída para o estrangeiro, diversos Alvarás, em 1642, determinaram a carimbagem de vários tipos de moedas, procedimento a que se recorria com bastante frequência. No entanto, o Conselho da Fazenda, em Fevereiro de 1644, recomendava como solução a recunhagem da prata existente. Mais tarde verificou-se que o cerceamento da moeda se tornara uma calamidade pública e que todas as medidas para impedir a fraude tinham sido infrutíferas.

Nestas circunstâncias, persistindo o problema por muitos anos, por lei de 17 de Outubro de 1685, proibia-se expressamente o curso de moedas de ouro e prata que não tivessem o peso legal.
Disposições semelhantes, ou a determinação para que certas moedas passassem a correr pelo seu peso efetivo em metal, voltaram a ser promulgadas em Junho e Julho de 1688, culminando tal processo com a Lei de 4 de Agosto de 1688, que elevou de 20% o valor corrente da moeda de prata e de ouro.
Quando se procurou retirar a moeda de circulação, a fim de recunhá-la com o peso legal, recorreu-se aos chamados padrões de juros (títulos de dívida pública), que poderiam inclusive ser negociados. O Decreto de 22 de Março de 1687 facilitava o processo mediante a criação dos Escritos da Casa da Moeda, de valores relativamente elevados.

Os certificados entregues não poderiam ser de importância inferior a 60 mil réis. Os títulos mencionavam claramente a data da correspondente entrega, mas não fixavam a do pagamento devido. Sendo títulos nominativos, a sua transmissão implicava endosso. Do ponto de vista monetário, os títulos eram dinheiro de contado, uma forma de moeda legalmente utilizável para todas as espécies de transações de âmbito nacional, não tendo qualquer carácter fiduciário. Não tiveram uso generalizado na Metrópole e desconhecemos se chegou a valer na Colônia. Provavelmente se concentrou nas praças de Lisboa e do Porto. Estes Escritos da Casa da Moeda representavam, em Portugal, o primeiro tipo de papel-moeda, surgindo numa época em que não existiam, ainda, instituições bancárias como hoje as conhecemos.


A reforma monetária de 4 de Agosto de 1688 - Sua execução no Brasil 

D. Pedro II desejando remediar os danos oriundos da redução das moedas de prata cerceadas e das antigas moedas de ouro em circulação que mandara correr a peso, enquanto se não reduziam a novas, resolveu levantar 20% no valor corrente da moeda, promulgando para isso a Lei de 4 de Agosto de 1688. Por essa Lei, as moedas de ouro de fábrica nova de 4$000 rs. subiram a 4$800 rs, as meias moedas de 2$000 a 2$400, e os quartos de 1$000 a 1$200 rs. Nas moedas de ouro das antigas emissões, que corriam a peso, passou a oitava a 1$500 rs. Nas novas, a oitava ficava a 1$600; a diferença destinada ao feitio e à senhoriagem.

Quanto às moedas de prata houve as seguintes alterações:

Os 500 réis passaram a 600 réis
Os 400 réis passaram a 480 réis
Os 250 réis passaram a 300 réis
Os 200 réis passaram a 240 réis
Os 100 réis passaram a 120 réis
Os 80 réis passaram a 100 réis
Os 50 réis passaram a 60 réis
Os 40 réis passaram a 50 réis

Os vinténs conservaram os preços que tinham e as patacas espanholas de peso inferior a 7 oitavas correriam à razão de 1 tostão a oitava.

Esse aumento não se concretizou em carimbos, como fora de praxe desde 1642, conservando as novas moedas de ouro e prata, o mesmo peso, toque e cunho, e algarismos indicando um valor de 20% de menos daquele pelo qual corriam. O cruzado passando a 480 réis chamou-se daí em diante cruzado novo; os dois tostões denominaram-se doze vinténs, os tostões — seis vinténs; os meios tostões — três vinténs; os quatro e dois vinténs foram chamados de tostões e meios tostões, respectivamente. Esta extravagância durou até 1835, quando uma reforma do sistema monetário português marcou o valor corrente na própria moeda.26

Vejamos como foi executada no Brasil a Lei monetária de 4 de Agosto de 1688:

“A Lei chegou à Bahia, diz Capistrano, em meados do ano seguinte quando, por morte do titular Mathias da Cunha, governava interinamente o arcebispo D. Manoel da Ressureição que a transmitiu ao desembargador Manoel Carneiro de Sá, chanceler da Relação, para publicá-la como era de seu ofício. Entre os dois potentados parece houvera atritos e não reinava grande harmonia. O chanceler não deu sinal de vida. O arcebispo mandou proceder com a puplicação “ao som de caixas e tambores que alvoroçava o povo que não sabia se tratar de Lei ou Bando”, comenta Carneiro de Sá.

O chanceler tinha dúvidas sobre a aplicação de semelhante Lei ao Brasil, em relação às patacas castelhanas que, tendo de correr a peso, ao preço de 100 rs. a oitava, não passavam, na sua maioria, de quatro oitavas e meia, tal o seu estado de cerceio, e valiam pelos aumentos anteriores — 640 réis, havendo assim em cada pataca uma perda de 190 réis, calculando-se o prejuízo total em cerca de trezentos mil cruzados. O chanceler oficiou à corte participando os inconvenientes apontados.

O arcebispo governador ainda indeciso, ao saber que já se haviam manifestado em Pernambuco, convocou uma junta geral a que compareceram pessoas de todas as categorias, não tendo porém comparecido o chanceler da Relação. A junta votou as seguintes resoluções: eliminar-se o emprego das balanças e fixar-se o valor das patacas em circulação do seguinte modo:

● Em 800 réis as que tivessem de 6 ½ oitavas para cima.
● Em 700 réis as de 6 a 6 ½ oitavas.
● Em 640 réis as de 4 ½ a 6 oitavas.

Com as medidas adotadas, as patacas de maior peso, que eram cada vez mais exportadas, deixaram de emigrar. O Governador, em carta de 11 de Junho de 1689, exultou pelo resultado obtido.
O chanceler em ofício de dezoito do mesmo mês explicou o seu ponto de vista e “lembrava que para impedir o açambarcamento das moedas de peso bastaria uma vistoria nos navios; levantar o dinheiro é regalia de príncipe; não inveja as glórias do autor, se o ato fosse aprovado; contentava-se em não ter concorrido para ele” (Apud Capistrano op. cit.).

O Conselho Ultramarino discutiu o assunto, em face dos citados documentos e de mais outras informações, em reunião de 20 de Dezembro do mesmo ano de 1689, decidindo por maioria que: “inviolavelmente devia guardar-se a Lei de 4 de Agosto de 1688, sem curar dos clamores do povo”.

O rei deu razão ao Conselho e, em carta de 19 de Março de 1690, dirigida ao Governador Geral do Brasil Câmara Coutinho, fixava novamente em tostão o valor da oitava da prata e prescrevia o uso de balança para as patacas castelhanas que correriam a peso. O Governador Câmara Coutinho recebeu a Carta Régia em Pernambuco, Capitania que ainda governava. Esperou que a frota zarpasse para evitar a fuga da moeda e, por Edital de 3 de Julho de 1691, mandou publicá-la em todas as Capitanias.

As consequências foram desastrosas, o êxodo do numerário incentivou-se ainda mais, como se poderá concluir dos testemunhos do venerando Padre Antônio Vieira, em carta datada de 1° de Julho ao antigo governador Roque da Costa Barreto, e do próprio Governador Geral, em escrito de 15 de Junho de 1693.

Vieira dizia então que “o único remédio, e não poderia haver outro, era o da moeda provincial com tal preço extrínseco que nem para os de dentro tenha conta a saca dela.” (Capistrano Op. cit.)

Foi o que se decretou em 8 de Março de 1694, criando-se para isso a Casa da Moeda da Bahia.
Vejamos o que se deu na Capitania de São Vicente em relação às determinações da Lei de 4 de Agosto de 1688. A notícia sobre os levantamentos da moeda na Bahia e nas demais capitanias do norte em oposição à Lei chegou à Vila de São Paulo, em Agosto de 1690.

Em 3 de Agosto o povo de São Paulo em grande alvoroço impôs, à mão armada, o levantamento da moeda como se havia levantado na Vila de Santos pelo dano que daí nascia, devido ao intenso intercâmbio existente entre as duas vilas; não poder conservar-se uma sem a outra; haver-se levantado o dinheiro nas demais vilas da Capitania e ir-se passando o numerário desta para as outras, com prejuízo dos moradores.

A Câmara no mesmo dia resolveu levantar o valor das moedas na forma seguinte:

• Moedas de duas patacas correriam por 800 réis
• Moedas de uma pataca correriam por 400 réis
• Moedas de dois tostões correriam por 240 réis
• Moedas de meia pataca correriam por 200 réis
• Moedas de seis vinténs correriam por 160 réis
• Moedas de tostão correriam por 120 réis
• Moedas de quatro vinténs correriam por 100 réis
• Moedas de dois vinténs correriam por 50 réis
• Moedas de 250 réis correriam por 300 réis
• Moedas de 400 réis correriam por 480 réis
• Moedas de 500 réis correriam por 600 réis

A ata da Câmara do dia 3 de Agosto se refere ao aumento dos cruzados de dois modos, primeiro passando-os a 500 réis, e logo na linha seguinte mandando correr por pataca e meia (480 réis).
No quadro acima mencionamos 480 réis por ser esse valor justamente o dobro do valor de dois tostões que passaram a 240 réis.

Dissemos que a Lei de 4 de Agosto de 1688, confirmada pela Carta Régia de 19 de Março de 1690, fora mandada publicar em todas as Capitanias, por Edital de 3 de Julho de 1691.
À Capitania de São Vicente, só foi remetida em 2 de Outubro do mesmo ano, como se pode constatar da carta para o Capitão-mór da mesma Capitania que acompanhou a citada Lei da moeda, do teor seguinte:
“ Com esta carta remeto a Vossa Mercê a Lei sobre a moeda, que tenho mandado a todas as Capitanias do Estado; Vossa Mercê a faça registrar logo na Câmara desa Capitania: e publicada nessa Vila a mande originalmente registrar na de São Paulo; e em todas da sua jurisdição, e a faça guardar inviolavelmente, e de cada Câmara me remeta Vossa Mercê certidão passada pelo escrivão dela de como fica registrada para me ser presente, e El-Rey meu Senhor ficar bem servido. Deus guarde a Vossa Mercê. Bahia 2 de Outubro de 1691.
Antônio Luis Gonçalves da Câmara Coutinho.” (Documentos Históricos Vol. XI, 1929, pag. 173)
A primeiro de Março de 1692, reunidos os oficiais da Câmara de São Paulo com os procuradores das outras vilas da Capitania de São Vicente, acordaram não houvesse baixa na moeda até haver ordem de S. Majestade e havendo alguma nova ordem, daria a Câmara de São Paulo conta às demais para todas concorrerem ao que fosse mais conveniente ao serviço de S. M. e os procuradores das vilas aceitaram baixar a moeda nas mesmas, nem fazer o contrário, sem aviso da Vila de São Paulo.
Em cartas de 1° de Dezembro de 1692, dirigidas aos oficiais das Câmaras de Santos e de São Paulo, o Governador Geral Câmara Coutinho reitera as ordens de S. Majestade sobre o valor da moeda que quer seja igualmente comum a todos os vassalos de sua coroa. Na missiva dirigida à Câmara de Santos, diz Câmara Coutinho que...
“...o levantamento do valor a que essa Capitania a subiu, ajustando-se ao Termo que o povo assinou, foi somente enquanto não ía a resolução deste Governo, e Sua Majestade quer que o valor da moeda seja igual a todos os seus vassalos: no mesmo ponto que Vossas Mercês receberem esta carta, mandem registrar o Alvará, e se publique nessa Vila, para que a seu exemplo o façam todas as mais a quem o Capitão-mór há de enviar o mesmo Alvará, e se fique tirando a queixa pública de só nessa Vila haver a diferença que até agora se usou com tanto prejuízo das Capitanias vizinhas, e escândalo de todas as do Estado.”
Na carta à Câmara da Vila de São Paulo, diz o Governador Geral:
“O Capitão-mór Manuel Peixoto da Mota, a quem El-Rei meu Senhor se serviu encarregar essa Capitania, leva diversas ordens minhas, das quais são as que em primeiro lugar há de mandar logo registrar a essa Câmara, um Alvará com a forma que se deve praticar na falta de Capitão-mór, para se evitarem os inconvenientes que sucederam pela morte de Manuel Pereira da Silva; e outro com a carta inserta de Sua Majestade sobre o valor da moeda que quer seja, como tão importante, igualmente comum a todos os vassalos da sua coroa. E observando-se este em todo o Brasil é justa queixa de todas as mais Capitanias do Estado que só nessa (e em particular na Vila de Santos) se veja uma diferença de que tanto prejuízo resulta, não só aos povos vizinhos, mas ainda aos mais remotos. Não creio que sendo essa Vila a principal, e a mais respeitada em toda essa Capitania, imitasse a de Santos, quando os exemplos que são contrários ao serviço de Sua Majestade, e bem público, se não devem seguir daqueles cuja procedência há de atender só aos acertos do seu zelo, e observância da sua obediência.
Mas se acaso também nessa Vila, se não divertiu aquele excesso, Vossas Mercês sejam agora o exemplar para todas as mais Vilas dessa Capitania, guardarem o que Sua Majestade manda fazendo logo registrar e publicar o dito Alvará.
Outros levam também, e algumas ordens particulares por instrução minha, encomendo muito a Vossas Mercês, que para a execução delas quando lha-se comunicar; e do Regimento que mandei ao Capitão-mór Manuel Pereira, o ajudem Vossas Mercês com a tal eficácia que lhe deva ele o bem que espero proceda no efeito de tudo. Deus guarde Vossas Mercês. Bahia, 16 de Dezembro de 1692. Antônio Luis Gonçalves da Câmara Coutinho.” (Documentos Históricos, Vol. XI, 1929, pags. 186-188).

A 23 de Janeiro de 1693, o povo amotinado elegeu procuradores para o aumento do dinheiro miúdo pela confusão que havia na Vila de São Paulo, originada da falta de trocos. A Câmara ponderou que não lhe competia levantar a moeda sem ordem expressa de S. Majestade. O povo impôs então violentamente à Câmara a aceitação de seu requerimento, exigindo também se tratasse como havia de correr a moeda de dois cruzados, por se evitar o corte da mesma.
No mesmo dia, a Câmara, assistida pelo povo e seus procuradores e os prelados, atendeu ao requerimento popular, passando o dinheiro miúdo a correr da forma seguinte:

• Moedas de 240 réis passariam a 280 réis
• Moedas de 200 réis passariam a 240 réis
• Moedas de 160 réis passariam a 200 réis
• Moedas de 120 réis passariam a 160 réis
• Moedas de 100 réis passariam a 120 réis
• Moedas de 80 réis passariam a 100 réis
• Moedas de 60 réis passariam a 80 réis
• Moedas de 50 réis passariam a 60 réis

As insistentes ordens do Governo Geral não foram, porém, ouvidas e a 13 de Novembro desse mesmo ano de 1693 escrevia Câmara Coutinho aos oficiais da Câmara da Vila de São Paulo, sobre a moeda, nos seguintes termos:

“Nesta monção não tive a carta de Vossas Mercês, nem o costuma fazer essas Câmaras aos seus Governadores Gerais: porque se prezam mais de não obedecerem as suas ordens do que de fiéis vassalos de Sua Majestade; pois que repugnam a elas não querendo baixar a moeda, e parecendo-lhes que sabem mais daquilo que convém aos povos do que a El-Rei que é Senhor deles: enganando-se em tudo, porque se nesse Estado corre toda a tostão a oitava, e lá a tomam por um preço exorbitante, é certo que quem o aceita fica enganado: porque se o quiser tirar da terra, o há de abaixar, e perder nele: mas isto tudo é menos com que se atrever esse povo a levantar, ou baixar a moeda que só toca ao Rei natural: e só por não ter o nome de desobediente se pudera perder muitos milhões: e assim creio que vendo Vossas Mercês estas razões tão eficazes, baixaram logo a moeda, e se comformaram com a ordem de Sua Majestade..., etc, etc, etc. Bahia, 13 de Novembro de 1693. Antônio Luis Gonçalves da Câmara Coutinho.” (Documentos Históricos, Vol. XI, pags. 188-190)
Nos anos seguintes, de 1694 e 1695, o Procurador do Conselho e os Vereadores da Câmara de São Paulo por mais de uma vez tentaram pôr em execução as determinações régias sobre o valor da moeda, de acordo com a Lei de 4 de Agosto de 1688. O povo, porém, sempre a isso se opôs violentamente, de armas em punho. Mais tarde, a 3 de Novembro de 1696, foi apresentado pelo procurador do Conselho, Cap. Domingos de Amores de Almeida, em Câmara, aos Vereadores e ao Juiz, um requerimento nos seguintes termos:

“Nesta Câmara está registrada uma Lei de S. Majestade que Deus guarde em que ordena que corra a moeda e dinheiro a peso a qual foi observada em todo o Brasil, exceto os miúdos que correram pelo valor que S. M. permitiu e só nesta Vila e nas mais de cima se desobedeceu a esta Lei, com este procedimento escandalizamos todas as praças do Brasil e adquirimos com muita razão o nome de rebeldes sem haver utilidade comum antes com grande perda, e detrimento do povo, por conveniência de alguns particulares principalmente dos mercadores, se sustentou o valor que chamamos no dinheiro alto como leais vassalos de S.M. por desencargo de minha consciência e atender à obrigação do meu oficio e bem como deste povo riqueiro a Vossas Mercês mandem dar cumprimento à dita Lei, mandando fixar quartéis para que corra todo o dinheiro na conformidade que corre na Vila de Santos e não querendo Vossas Mercês para que em nenhum tempo possa eu ser avaliado por cúmplice no crime desta desobediência e este meu Requerimento mandem Vossas Mercês estender no livro da Câmara para que em todo conste que não falte a obrigação de leal vassalo.” (Atas da Câmara da Vila de São Paulo, Vol. VII, pags. 488-489). A Câmara mandou executar o requerido.

Os tumultos, porém, só teminaram em 1698 com a morte do agitador Pedro de camargo que resistiu até então a todas as ordens emanadas do Governo Geral da Bahia. A esse tempo já não tinha mais razão de ser a aplicação na Colônia da Lei de 4 de Agosto de 1688, pois desde 1695 vnha sendo lavrada na Bahia a moeda provincial, de acordo com a Lei de 8 de Março de 1694, que fundou naquela cidade a Casa da Moeda, criando um sistema monetário mais fraco para o Brasil. O objetivo então era reduzir o antigo numerário cerceado e devastado pela “lepra dos carimbos” (frase de um numismata luso) em moeda colonial na oficina monetária da Bahia, insistindo debalde o Governo Geral, desde antes no início dos trabalhos, pela remessa das antigas espécies circulantes nas Capitanias do sul na frota do comboio, para com mais segurança aportarem a S. Salvador.


A passagem à cunhagem mecânica

A cunhagem é o processo pelo qual as moedas passam para serem gravadas. Consiste em promover a estampagem de um desenho em uma, ou ambas, as faces de um disco, utilizando para tanto um cunho. A história da cunhagem de moedas está muito ligada com a evolução dos métodos produtivos e das técnicas de metalurgia.
No início, as moedas eram cunhadas de forma artesanal. Para realizar a operação, o desenho a ser utilizado era gravado de forma “espelhada”, em baixo relevo em uma bigorna. Em seguida um disco de metal, previamente aquecido, era pressionado sobre esta gravação com o auxilio de um punção, onde se aplicava a pressão necessária com um martelo, transferindo assim o desenho do cunho para o metal. Este processo produzia moedas com um desenho gravado em apenas uma das faces.
Num segundo momento o punção onde se aplicava a pressão foi substituído por outro cunho (este móvel e também gravado como o cunho fixo). O novo processo permitiu a cunhagem de moedas com gravações nas duas faces. Este esquema necessitava, porém, da exclusiva ação da força humana, o que tornava a produção de moedas uma atividade lenta.

Acima, prensa monetária a vapor. Casa da Moeda de Paris; da série de figurinhas Guérin-Boutron (Les différentes Industries), Paris, 1910.
Posteriormente este processo foi melhorado com a introdução do balancim (século XVI), um tipo de prensa na qual era possível realizar a cunhagem com um esforço menor e produzir, no entanto, uma pressão maior e mais uniforme nos cunhos.
Já durante a Revolução Industrial a cunhagem foi aprimorada com a introdução de prensas a vapor, e posteriormente prensas elétricas.

Em Portugal, a passagem da cunhagem manual à mecânica, tem início durante a Regência de D. Pedro, ao final de 1677, oficializada a partir de 1678.


Figura: D. PEDRO P.R. (1667 - 1683), meia moeda (2.000 réis), coroa perolada Ouro Ø: 24 mm W: 5,38 gr. Anv.: PETRUS•D•G•PORTVG Escudo das armas reais, encimado por coroa real perolada. / Rev.: IN•HOC•SIGNO•VINCES Cruz da Ordem de Cristo, vazada e ladeada por florões verticais. Data 1677. Este belo e raro exemplar de Meia Moeda é um dos monumentos â mudança da cunhagem manual para a cunhagem mecânica, em Portugal. Este raríssimo exemplar foi um dos primeiros a ser cunhado na nova prensa de parafuso, o Balancé (balancim), que veio substituir, em finais de 1677, a velha arte de cunhagem manual por martelo.
Na Casa da Moeda que funcionava no Palácio da Ribeira, não havia espaço para as novas prensas. O sucesso do novo processo de cunhagem condicionou, em 1685, a transferência da oficina monetária para a Rua da Calcetaria (hoje Calçada de São Francisco), “onde se poderiam acomodar grande número destes engenhos na casa que se acabava de construir” como o comprova o decreto de 10 de Março de 1687. O esmero posto na gravação dos desenhos é obra do mestre gravador Roque Francisco.
Poucas moedas foram cunhadas com a data de 1677 e a raridade dos exemplares com esta data justifica-se também pela inauguração oficial da amoedação por balancé ter iniciado apenas em 1678. As primeiras cunhagens poderiam ser consideradas como ensaios, apesar dos exemplares conhecidos apresentarem vestígios de circulação. Este tipo de ornamentação da coroa já aparece desenhado nos catálogos de Ferraro Vaz e a característica da distribuição irregular das letras na legenda verifica-se apenas nas moedas cunhadas em 1677.

Fim da primeira parte. 

Segunda parte - A primeira Casa da Moeda do Brasil - Em breve.