Generalidades sobre o valor da moeda

É conveniente alertar o leitor para alguns pormenores, pois temos observado algum “desconhecimento”, principalmente por parte dos neófitos, a respeito de aspectos relevantes no que tange ao bom entendimento da nossa história monetária. De tal forma, é necessário que o leitor se detenha na leitura, o que certamente será de grande valia nas diversas passagens da evolução no seu conhecimento sobre o assunto.

A nossa numismática teve início com a Provisão de 3 de Março de 1568, seguida pelas moedas cunhadas pelos holandeses e as contramarcas aplicadas em moedas hispânicas e portuguesas, inicialmente por D. João IV, seguidamente por D. Afonso VI e, finalmente, por D. Pedro (durante a regência e início do reinado) que foi o responsável, também, pela criação das primeiras Casas Monetárias na terra recém-descoberta. Estes carimbos eram batidos na prata (moedas hispânicas e portuguesas), e em moedas de ouro portuguesas, com finalidades específicas, contidas em documentos comprobatórios. A carimbagem era um processo rude, executado manualmente em oficinas, aplicados individualmente, a golpes de martelo.

Com D. Pedro II, em 1695, tem início no Brasil a cunhagem mecânica, em ouro e prata, na Casa da Moeda da Bahia, a primeira delas. No metal nobre foram cunhadas moedas coloniais de 1000, 2000 e 4000 réis e, na prata, moedas igualmente coloniais, nos valores 20, 40, 80, 160, 320 e 60 réis.
Nota: Os conceitos e definições a seguir são de nossa inteira responsabilidade. Existindo uma confusão muito grande em torno do tema, achamos por bem dar a nossa definição a respeito de determinados termos e expressões que, apesar de aparecerem com frequência nos catálogos, carecem de definições e esclarecimentos. Dessa forma, entendemos que alguns numismatas e estudiosos do assunto possam discordar das definições a seguir.
MOEDA NACIONAL - É aquela cunhada para circular tanto em Portugal, como nas suas colônias. Algumas moedas cunhadas em Portugal, e mesmo algumas cunhadas em suas colônias, tinham autorização expressa para circular em todo o reino ou em grande parte dele. Para um melhor entendimento, usaremos como exemplo a primeira moeda de ouro (de maior valor), cunhada com a abertura da primeira Casa da Moeda do Brasil, na Bahia. Essa moeda foi uma das primeiras de ouro a ser cunhada mecanicamente. O novo padrão foi criado durante o período de regência de D. Pedro, tendo sido fabricada, inicialmente, com o peso de 10,76 gramas em Portugal e 8,16 gramas no Brasil.

Figura: Essa moeda circulava somente em Portugal, não podendo circular nas colônias. D. Pedro Príncipe Regente, 4$000 réis 1678, Lisboa (muito rara). Diâmetro: 30 mm, peso: 10,76 gramas. Até 4 de agosto de 1678, corria pelo valor facial, ou seja 4$000 réis. Trata-se de moeda metropolitana que só podia circular em Portugal. Porém, evidentemente, era aceita em qualquer nação pelo seu valor extrínseco, à razão de 1$333 réis a oitava (3,5856 gramas).

Calculando o valor real da moeda acima: Nessa época (1678), o ouro ainda era negociado por valores próximos a 1$333 réis (mil trezentos e trinta e dois réis) a oitava que em termos de unidade antiga de Portugal, correspondia a 3,5856 gramas.

Assim, dividindo 1$333 réis por 3,5856; teremos o preço de 1 grama do ouro naquele período:

1$333 : 3,5856 = 371,75 

que seria o preço aproximado do grama do ouro (371,75 réis o grama)

Multiplicando 371,75 pelo peso da moeda (10,76 gramas), chegamos ao seu valor intrínseco (aquele que corresponde à quantidade em ouro), nesse caso, compatível com o valor extrínseco que é aquele que aparece estampado sobre a moeda:

371,75 x 10,76  = 4$000 réis

Ao assumir o poder em 1683, como D. Pedro II, a inflação já se fazia sentir no reino, fazendo com que o preço do ouro aumentasse de valor, chegando a ser negociado por 1$600 réis a oitava, por volta de 1687. Isso fez com que um ajuste fosse necessário no valor extrínseco da moeda, para que ficasse de acordo com o que carregava de peso em ouro (valor intrínseco). Assim, pelo mesmo procedimento adotado anteriormente, temos:

1$600 : 3,5856 = $446,23 

que seria o preço aproximado do grama do ouro em 1687.


Novamente, agora multiplicando 446,23 pelo peso da moeda (10,76 gramas), chegamos ao seu valor intrínseco (aquele que corresponde à quantidade em ouro), nesse caso, incompatível com o valor extrínseco que é aquele que aparece estampado sobre a moeda:

446,23 x 10,76  = 4$801 réis

O que fez com que D. Pedro II reajustasse, com a Lei de 4 de agosto de 1688, o valor da moeda de 4$000 réis que passou a circular por 4$800 réis, mesmo mantendo estampado o valor 4000.

Figura: Essa moeda circulava somente em Portugal, não podendo circular nas colônias. Casa da Moeda de Lisboa - D. Pedro II - 4$000 réis (valor impresso) 1690. Essa, ou qualquer outra moeda de 4$000 réis, de diâmetro 28 mm e peso 10,76 gramas, circulava valendo 4$800 réis, a partir da Lei de 4 de agosto de 1688. Da mesma forma, trata-se de moeda metropolitana que só podia circular em Portugal. Quando criaram a Casa da Moeda da Bahia, em 1695, o valor do ouro havia subido para o preço aproximado de 1$760 réis a oitava. Assim, a fim de que os valores extrínseco e intrínseco da moeda fossem equivalentes, no Brasil, o 4$000 começou a ser cunhado com o peso de 8,16 e com um diâmetro inferior de 1 mm, em relação à moeda cunhada na metrópole, e aquela cunhada, posteriormente, na Casa da Moeda do Rio de janeiro (RRRR), de 1703 a 1707, que contavam com 28mm. Assim, pelo mesmo procedimento adotado anteriormente, temos:

1$760 : 3,5856 = 490,8 réis

que seria o preço aproximado do grama do ouro em 1687.

Novamente, agora multiplicando 490,8 réis pelo peso da moeda cunhada na Bahia, a partir de 1695, (18,16 gramas), chegamos ao seu valor intrínseco (aquele que corresponde à quantidade em ouro), nesse caso, compatível com o valor extrínseco que é aquele que aparece estampado sobre a moeda:

490,8 x 8,16  = 4$000 réis aproximadamente.

Figura: Essa moeda circulava somente no Brasil, não podendo circular em Portugal. D. Pedro Príncipe Regente, 4$000 réis 1696, Casa da Moeda da Bahia. Diâmetro: 27 mm, peso: 8,16 gramas. Foi cunhada nesse mesmo padrão no Rio de Janeiro, em 1699 e 1700; e em Pernambuco, em 1702, sempre sem letra monetária. Tratam-se de moedas coloniais, sendo vedada sua circulação na Metrópole. Porém, sendo moeda de ouro, certamente eram aceitas, pelo seu valor intrínseco, em qualquer parte do mundo.
Figura: Essa moeda circulava no Brasil e em Portugal. D. Pedro Príncipe Regente, 4$000 réis 1703, Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Diâmetro: 28 mm, peso: 10,76 gramas. Foi cunhada nesse mesmo padrão das moedas portuguesas, diferenciada apenas pela letra monetária R. Assim, como os 4$000 réis portugueses cunhados naquele período, circulava pelo seu valor intrínseco (4$800 réis), tanto no Brasil, como em Portugal. Trata-se, assim, de moeda nacional, tendo livre circulação em todo reino (colônia e Metrópole).

O peso das moedas de prata, da Colônia ao fim do primeiro Império

Primeiramente é importante saber que a relação entre a quantidade (valor intrínseco) de prata contida numa moeda e o seu valor facial (extrínseco), estavam intimamente ligadas. Isto significa que o valor impresso (facial ou nominal) no campo da moeda, correspondia ao preço, em gramas, do metal (ouro, prata ou cobre) que essa moeda continha. Dessa forma, com uma moeda de 4.000 réis, de peso 8,17 gramas, teoricamente se podia comprar 8,17 gramas de ouro de mesma titularidade.

Em segundo lugar, é conveniente esclarecer que o “peso da Lei” (oficial) das moedas, era medido pelo sistema manuelino (D. Manuel I), no início em grãos e oitavas para, seguidamente, ser convertido, se fosse o caso e dependendo da época, em gramas. Nesse sistema, 1 oitava correspondia a 3,5856 gramas e 1 grão a 0,0498 gramas.

Em terceiro lugar, é necessário esclarecer que os metais eram comprados a peso, dependendo da quantidade, em oitavas, onças, marcos (229,4784 gramas) ou até mesmo em arratéis (libras), essa última equivalente a quase meio quilo do nosso sistema decimal. Dessa forma, o disco de ouro que deveria receber o cunho de 4.000 réis, deveria conter exatos 4.000 réis de ouro e assim por diante, o mesmo raciocínio para a prata e no sistema cúprico.

Evidentemente, o preço dos metais nobres oscilava no mercado mundial. Quando essa oscilação (variação) nos preços não era significativa, isso não chegava a interferir no valor facial das moedas e pouca importância era dada a um pequeno ajuste nos preços da matéria prima. O problema se apresentava quando o metal sofria uma oscilação significativa no seu preço, em geral para mais, fazendo com que a moeda perdesse o seu valor (facial) de compra. Imagine, por exemplo, uma moeda de 4$000 réis de ouro. Essa moeda deveria conter exatos 4$000 reis de metal dourado. Agora imagine que ao derreter essa moeda, você conseguisse vender o metal nela contido, por 5$000 réis. Isso siginificaria que o valor marcado na face da moeda é menor do que aquilo que ela realmente valia.  
Em outras palavras, o natural aumento no preço dos metais nobres como a prata, determinava uma desvalorização da moeda, induzindo à redução do seu peso ou alterando a sua liga, o que aconteceu mais recentemente com algumas moedas de prata da República. Por esse motivo, em alguns períodos na nossa história, foram emitidos decretos alterando o valor facial das moedas, caso do dobrão, uma moeda de valor facial de 20$000 réis, que circulava valendo 24$000 réis, porque o ouro contido nela valia exatos 24$000 e não 20$000, como mostrava o seu valor facial. Em outras ocasiões, esses valores foram ajustados com aplicação de contramarcas, a exemplo do carimbo 4 coroado, mostrando que a quantidade de ouro contido naquela moeda, numa determinada época, valia 4$000 réis. Mesmo racionínio com a prata e com o cobre. 

Agora retornemos às moedas de prata. Nesse caso, por questões didáticas, convém dividi-las em cunhadas desde os tempos coloniais até o final do primeiro Império, em “série das patacas” cunhadas nas Casas da Moeda de Lisboa, da Bahia, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, e as moedas da “série J”, cunhadas nas Casas da Moeda da Bahia e do Rio de Janeiro, para circularem exclusivamente em Minas Gerais (moedas provinciais).

Nesse caso, temos:

1. Série das patacas — Dependendo da época, cunhadas com a prata cotada ao preço de 7$600 réis o marco ou seja, 229,4784 gramas. Isso significa, a grosso modo, que se existisse uma moeda com o peso de 229,4784 gramas (1 marco) o seu valor facial deveria ser de 7$600 réis. Esse preço (7$600 réis o marco da prata) perdurou de 1695 a 1698 e retornou, com a baixa do preço do metal, em 1799, permanecendo até 1810.

1695 a 1758 — Durante esse período, em todas as Casas de Cunhagem, as moedas de prata foram fabricadas, levando-se em conta a cotação de 7$600 réis o marco do metal.

1799 a 1810 — Durante esse período, as moedas de prata cunhadas na Bahia, foram também, levando-se em conta a cotação de 7$600 réis o marco do metal.

Isso nos conduz ao seguinte cálculo artimético:

Pergunta: Se 1 marco (229,4784 gramas) de prata custavam 7$600 réis, quanto (peso) de prata deveria conter uma moeda de $640 réis? Através de uma regra de 3, simples e direta, conclui-se que esse peso é:

P =  (640 x 229,4784) : 7600 = 19,3244 gramas

que é o peso das moedas de 640 réis cunhadas nesse período.

Figura: Casa da Moeda do Rio de Janeiro, D. José I, 640 réis 1755, sem letra monetária, cunhado no período de 1695 a 1758, quando o marco da prata custava 7$600 réis, dessa forma, com o seu peso fazendo correspondência entre os valores intrínseco e extrínseco é de 19,32 gramas.

Raciocínio análogo deve ser aplicado às patacas cunhades entre 1768 a 1802, quando o marco (229,4784 gramas) da prata era negociado a 8$250 réis. Usando o mesmo processo da regra de 3, temos:

P =  (640 x 229,4784) : 8250 = 17,8019 gramas ... ou seja:

As moedas de 640 réis, cunhadas a partir de 1768, até 1802, nas Casas do Rio e de Lisboa, foram fabricadas com prata ao preço de 8$250 réis o marco, com seu peso reduzido de 19,32 para 17,80 gramas, a fim de equiparar conteúdo de prata (a essa época, mais cara) com o valor nominal. A partir de 1809, com um reajuste no preço da prata que passou a 8$192 réis o marco, as moedas de prata sofreram um pequeno aumento em seu peso, com os 640 réis passando de 17,78 a 17,92 gramas.
Figura: Casa da Moeda do Rio de Janeiro, D. José I, 640 réis 1771, 3º Tipo - JOSEPHUS.../...SVBQ, sem letra monetária, cunhado no período de 1768 a 1802, quando o marco da prata custava 8$250 réis, dessa forma, com o seu peso fazendo correspondência entre os valores intrínseco e extrínseco é de 19,32 gramas.

A partir de 1809, com um reajuste no preço da prata que passou para 8$192 réis o marco, as moedas de prata sofreram um pequeno aumento em seu peso, com os 640 réis passando de 17,80 a 17,92 gramas.